Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A graça da vida


Segundo Millôr Fernandes, "o homem é o único animal que ri. E rindo, ele mostra o animal que é".
Por trás desta frase fenomenal, com a qual concordo e rio animalescamente, um pouco de Aristóteles e uma boa porção de criatividade. Isso é o que diferencia a criação do plágio vazio: não se trata de uma repetição, um mero CTRL/C + CTRL/V, entendem?
Mas não é de se ignorar que seguimos uns modelos clássicos que exaltam as lágrimas e condenam o riso, conforme aqueles também clássicos postulados de Platão que hierarquizam a tragédia e a comédia, colocando esta última como expressão dos baixos sentimentos. E tem gente que pensa isso mesmo.
Dos vários livros sobre riso e humor que tenho aqui, todos eles passam pela análise do nosso Deus-Pai-Todo-Poderoso e Mal humorado, pois com Deus não se brinca. Poxa, eu sempre brinquei com o meu pai, mas dizem que Deus não gosta de brincadeiras.
Há um tempo duvidei disso, por isso aprendi a rir de minhas tragédias.
Não dá para rir de todas as coisas ruins, mas tem horas em que tudo de ruim vem em turma, agrupado, a galera de coisas que vão detonar qualquer ser humano e aí você pensa que Deus só pode estar de brincadeira com você. Eu, pelo menos, penso que Ele ri das besteiras que a gente faz, das idiotices que a gente comete e depois vai lá, rezar, pedir a Intervenção divina...Ele não resistiria a tantas burrices que a humanidade comete, caso não tivesse senso de humor.
Mas, digo a mim mesma em reconhecimento ao efeito alquímico do riso, ainda bem que eu sei rir de mim mesma, sei duvidar do império da racionalidade, até porque eu faço cada burrada que seria burrice maior tentar disfarçar.
O que eu acho terrível é aquele riso depreciativo que as pessoas cometem para desfazer das outras, o riso que humilha, que está a serviço não do gracejo e da presença de Espírito, mas ao rebaixamento.
Não posso ver graça no nariz de um, no cabelo do outro,nas coisas físicas, no tom de voz...observar isso em si seria ridículo e não risível.
Trabalho com livros em que o riso está presente como elemento desencadeador de raciocínios e percepções, andando em par com a ironia, com o grotesco,com aspectos políticos...
Quando choro, choro de me descabelar, choro como mulher em tango argentino, choro com desespero, choro o choro dos suicidas, até doer os olhos e ficar com dor de cabeça, até ter sono após tanta energia despendida...Mas quando rio, rio com todos os poros, me revitalizo, me auto-critico, penso:"olha, que pessoa louca!como pude fazer isso ou permitir aquilo?" e me recauchuto porque finalmente pude rir.
Para mim o riso comungado é o sinal maior da cumplicidade, como se eu e ele de fato estivéssemos nos entendendo, como se aquela fosse uma linguagem única para nós, marca mesmo de que pensamos de forma semelhante.
Acho que a vida é um fardo, que a existência cobra muito de nós - e até pergunto, como não ser louquética com tantas cobranças que a vida faz? como manter o equilíbrio? e para quê equilíbrio quando a balança da vida inclina mais para lá do que para cá, ora nos jogando em tristezas, ora nos dando alegrias, ainda que em proporções questionáveis?equilíbrio é ilusão, mas a gente luta por ele, ele é um poder simbólico para que a gente cuide melhor de nós mesmos.
Somos tendentes a considerar o choro mais valioso que o riso e prova disso é que a primeira coisa que um bebê aprende ao vir ao mundo é a chorar. Se e isso aqui, isto é, o Mundo fosse boa coisa, ninguém iria nascer chorando, né? e se os pais foram espertos, logo ensinarão que na evolução da espécie, os bem humorados sobrevivem melhor às intempéries da vida ( não me falem deste assunto na TPM, ok?).
P.S.: Já que eu falei de evolução da espécie, eu acredito que tenha havido o seguinte:
Homo loucus-loucus, o primeiro de nossos ancestrais, meio pirado de tanto ver pedras, na verdade, o primeiro louco de pedra que a Hsitória registra;
Homo riddens, que riu das misérias daquela falta de tecnologia e inventou piada até sobre si mesmo.
Homo erectus, que descobriu que se ficasse de 04 por muito tempo alguém poderia se aproveitar da posição;
Homo falatorius, que descobriu a tênue diferença entre a fofoca e a propaganda;
Homo luddens que inventou o playstattion da Idade da pedra Lascada e um complexo sistema de diversões.
Homo sexualis, que percebeu que a diversidade sexual poderia ser interessante e lançou glamour na sua Era;
Picantropus Erectus de Neanderthal, esse ancestral eu não inventei, foi meu professsor de Arqueologia que me disse que existia (juro!) e me convidou a verificar os vestígios que comprovam sua existência. Tenho pro este nosso ancestral uma simpatia imensa.
Homo Sapiens Sapiens, que somos nós, que achamos que sabemos. Em minhas aulas, porém, esclareço que o Sapiens dá origem à percepção da importância da sapiência. A sapiência , é claro, é a capacidade de engolir sapos - ai, como eu sou sábia.
Dizem que evoluiremos para o Homo Shoppings. Eu tenho um amigo que parece já ter evoluído para esse estágio, mas prefiro nem comentar.

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