Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Diários de Campinas, episódio V (epílogo)


Sempre me intrigou o final de As pontes de Madison: Ora, por que a Maryl Streep não mudou, ali, o seu destino? por que ela não largou tudo, àquela altura da vida, e se permitiu os riscos de uma nova relação, já que a intensidade daqueles três dias ao lado Clint Eastwood abalaram suas certezas?
Então vi que não funciona assim para os que têm muito medo dos riscos, para os que, conforme eu falo, têm o superego vigilante e, por isso mesmo, vivem fiscalizando a própria racionalidade.
Nem mesmo quando allan me pediu para ficar mais um dia eu cedi. Ao contrário, eu disse: "É que eu tenho medo. Imagino ficar aqui por causa de um homem."
Até uns dias atrás eu falava de como é que a gente demora para se tocar que o outro não quer a gente.
Agora eu apenas reforço que quem nos quer faz misérias para ficar conosco - não é só porque quem quer vai atrás, mas porque há, na força do desejo, muitos ímpetos de iniciativa, há o desejo levado a sério e não adianta chamar a quem não age assim de covarde - não é covardia. E pode ser covardia também, mas ela não explica tudo e não se sustentaria sozinha.
Pode ser que a pessoa queira a segurança do seu mundo exatamente como ele é.
Pode ser que a pessoa goste da sua zona de conforto.
Pode ser que a pessoa veja os tédios da rotina como verdadeiros esteios que só a segurança da previsibilidade pode dar.
E pode ser preguiça e descrença, também, porque não é fácil apostar no novo.
No mais, há aqueles para quem somos adereços da vaidade: então convém manter aceso o interesse do outro ainda que esteja clara a ausência de possibilidades de tornar real e concreto aquilo que é insinuado. Estes casos são incontáveis, recorrentes, eternos banho-maria de amores que, por fim, não chegarão a nada e só existem por dispositivos de egoísmo ou de masoquismo de alguma das partes.
Não falo aqui de coisas que eu não conheça - pode ver a marca d'água das minhas vivências, admito!
Allan falou comigo sobre coisas que nenhum outro homem jamais falou, manifestou a vontade de continuar junto a mim, cogitou, mediu, argumentou...e eu quase nem escrevo esta página, porque a separação foi dolorosa, porque de madrugada, 04 horas antes do meu vôo de volta, a gente tinha decidido nunca mais se ver, para evitar essa perdição conjunta: não vou para lá, largar tudo e ficar lá; ele não virá para cá também.
Sofremos desde a primeira empatia, porque ele bem percebeu que nossas paridades eram muitas e eram o suficiente para que a gente perdesse a conta de que aquele nosso contato tinha prazo de validade: expira em 04 dias.
Não deu. A intensidade, a overdose do contato, o valor da experiência de estar juntos e viver coisas que "Deus duvida" - que bom! mesmo que o preço seja esse, que bom!- converteram e modificaram nossas proteções recíprocas.
Não é mentira: o remédio de Um é Outro, desde que este outro esteja plenamente com você.
Às vezes as migalhas afetivas de que a gente se sustenta comuflam a inanição sentimental, a carência de afeto, as debilidades que a gente introjetou...então qualquer coisa serve e parece luxo.
Quando alguém dá plenamente de si, quando nos enriquece e nos fortalece de afetos, de carinho, de amor, de cumplicidade, de companheirismo, a gente finalmente percebe que vinha se sustentando de sobras, e da pior qualidade.
Não vai dar para contar nosso último dia juntos porque todas as despedidas foram extremamente dolorosas e eu cheguei doente e indisposta em casa, mesmo que conscientemente eu me dissesse que não poderia ser turista eternamente.
No momento me arrependo de não ter sido flexível, de ter me agarrado à racionalidade como se ela me desse proteção para todas as dores.
Faz um tempo que eu estou assim, racionalizando.
Minha analista me ligou enquanto eu ainda estava em Campinas e pelas palavras dela, presumi seu temor de que eu tivesse desistido não apenas de C., mas de todas as outras possibilidades, até porque eu faltei à última sessão que estava marcada.
Não vou me encontrar com C. nesta semana: ele sabe que acabou. Sabe, na verdade, que eu desisti mas talvez não saiba que eu preferiria nunca mais ter que me encontrar com ele. Tudo mudou. Tudo mudou dentro de mim.
Também de uns tempos para cá eu fiquei radical com os términos de todo tipo de relacionamento que possa haver: andei demais em círculos, sempre voltando para os mesmos namorados, sempre reclamando de certos tipos de amigos, sempre magoada por coisas advindas com o contato com a minha família. Então, quando as coisas acabam, acabam.
Não quero nomes, não quero contatos, não quero revivals: acabou.
Tenho preferido o ponto final à vírgula e às reticências, embora eu desejasse tanto repetir o que me fez bem, o que foi bom. Tudo tem seu tempo e o tempo passa. Tomara que a falta que eu sinto dele, de todas as nossas noites juntos e de todos os momentos compartilhados também passem, deixando saudades e não dores por essa ausência tão vívida - na minha cabeça fica um outro filme:Os melhores anos do resto de nossas vidas, pelo título, não pela história.

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