Louquética

Incontinência verbal

domingo, 28 de novembro de 2010

Acima da lógica


Na minha lógica, os fracos precisam de camisas de força: bom fortificante. Não entendo é porque camisa-de-força é algo para loucos (estes já são fortes).
Também pela minha lógica, pernóstica é uma pessoa que tem as pernas compridas; meretriz é uma mulher que tem muitos méritos, ombridade é adjetivo relativo a quem tem ombros largos e catacrese, longe de ser uma figura de linguagem, seria ou uma catástrofe, cataclisma, terremoto ou doença grave. Por essas e outras é que não se deve acreditar muito em minha capacidade lógica.
E rompendo todo o encadeamento lógico, vou editar aqui o processo da história e ir ao ponto-chave:Allan poderia dizer hoje sobre si mesmo, "rompi tratados, traí os ritos".
Que bom para mim!depois que a gente se falou ontem à noite, eu não sei explicar, mas o tempo parou.
O tempo parou até depois daquele tempo todo de conversa, até meus protesto lógicos contra os amores apressados e as decisões precipitadas pararem diante da lógica dele e isso foi como encarar um terremoto sem a menor condição de me segurar em qualquer lugar. É, me desestabilizou.
Agora eu preciso ter uma longa e pausada conversa comigo mesma e isso não vai ser fácil.
Percebi que se hoje tenho maior clareza para definir o que não quero, para dizer não, para excluir, por outro lado não tenho lá muita noção do que quero.
Estar racionalizando demais e quebrando a espontaneidade que me era própria e erguendo muros de comedimento é, na verdade, não prova de maturidade, mas atestado de insegurança. Já não digo que é "melhor cair das nuvens do que do quarto andar", tenho medo de flutuar - velho paradoxo de A insustentável leveza do ser.
Aprendi a ser Tereza, a personagem do livro. Mas não a Tereza que sonha c
om os alfinetes sob as unhas, ou a que adoece de ciúmes contidos, como acontece com ela. Refiro-me à Tereza que antes de ir ao encontro de Tomas, guarda seus pertences num guarda-volume, não oferece toda a sua vida a ele:
"Conhecera Tereza três semanas antes, numa pequena cidade da Boêmia. Mal tinham passado uma hora juntos. Ela o acompanhara à estação e esperara até o momento em que ele subiu no trem. Uns dez dias depois veio vê-lo em Praga. Nesse dia logo fizeram amor. De noite ela teve um acesso de febre e passou uma semana inteira com gripe na casa dele.
Ele sentiu então um inexplicável amor por essa moça que mal conhecia. Tinha a impressão de que se tratava de uma criança que fora deixada numa cesta, untada com resina e abandonada sobre as águas de um rio para que ele a recolhesse no regaço de seu leito.
(...)
Seria melhor ficar com Tereza ou continuar sozinho?
Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação.Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço.
(...)
Mas um dia, numa pausa entre duas operações, uma enfermeira vem avisá-lo de que está sendo chamado ao telefone. Escutou a voz de Tereza no aparelho. Estava telefonando da estação. Ele se alegrou com isso (...)
Ela chegou na noite do dia seguinte. Usava uma bolsa tiracolo com uma longa alça, ele achou-a mais elegante do que da última vez. Trazia na mão um livro: Ana Karenina de Tolstói. Tinha maneiras joviais, até mesmo um pouco ruidosas, e esforçava-se para demonstrar que estava passando inteiramente por acaso, graças a uma circunstância especial: estava em Praga por motivos profissionais, talvez (suas propostas eram muito vagas) à procura de um novo emprego.
Em seguida viram-se deitados nus e cansados no divã. Já era noite. Ele perguntou onde ela morava, ofereceu-se para levá-la de carro. Ela respondeu, embaraçada, que iria procurar um hotel e que tinha deixado a mala no depósito.
Na véspera ele temera que ela viesse oferecer-lhe toda a sua vida se a convidasse para vir para sua casa em Praga. Agora, ao ouvi-la dizer que sua mala estava no depósito da estação, pensou que ela havia depositado sua vida na estação antes de oferecê-la"
(KUNDERA, Millan. A insustentável leveza do ser, pp.12-15. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983)

Acho super instigante este ponto da narrativa, mostrando as grandes metáforas dos relacionamentos, especificamente dos relacionamentos que se constituem em meio às indecibilidades, dos medos de não acertar. E o narrador de A insustentável leveza do ser completa esta parte do capítulo dizendo que "Tomas compreendeu então que as metáforas são perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora" (P.16)
Comparativamente, eis que o ex-Grande Amor da Minha Vida acabou de me dizer, há poucos minutos atrás, o quanto se arrepende de ter sido racional nas decisões que tomou.
Ele viu que não foi racional nos termos de medir consequências, mas que foi frio e prático.
Quando uma mulher busca ser racional,em termos afetivos, ela está saindo da zona do imperativo do gênero. Isso não quer dizer que mulher é burra e irracional, mas que ela arrisca mais, que se joga nos relacionamentos, que paga os preços dos riscos, que se esbandalha, se estilhaça, vai para a U.T.I. emocional, mas tem uma sobrevida muito melhor do que os homens, esses seres medrosos por excelência.
Pensei agora no fato de que eu gosto de dormir na beira da cama. Eis uma metáfora complexa: o homem dorme na beira da cama e do seu equivalente desde os tempos das cavernas, porque ele é o defensor, ele é a tropa de frente, a avant guard, ele protege quem está no canto, se põe neste lugar vulnerável aos ataques.
Ao mesmo tempo, estar na beira da cama lhe permite maior mobilidade - entrar, sair, levantar, etc. Teoricamente, uma mulher não pode "passar por cima" de um homem, não sem que ele perceba, não sem que ele proteste.
Eu gosto da beira cama.
A beira da cama sempre foi motivo de disputa em minha casa, quando algum namorado dormiu aqui ou dormiu comigo em outro lugar.
Já acordei asfixiada porque me topei com a parede e me deu uma claustrofobia dos demônios.
Com o Outro, o miserável saía me perseguindo na cama e me espremia contra a parede. Incomodada eu acordava, porque tudo me acorda mesmo,mas tomava o lugar dele na beira da cama.
Mas, saltando as lógicas interiores, as lógicas que desafiam a razão e qualquer outro aparato lógico,todo mundo tem bagagem e tem medo de carregar a bagagem do outro, de experimentar o peso.
Esse meu percurso imaginativo e deambulatório entre as experiências passadas e aquela experiência recente mostra o peso de minha bagagem, das minhas malas.
Há bagagens que são compostas pelo passado de cada um; há aquelas malinhas e valises das vivências, dos medos, das expectativas, de todos os riscos e de todas as incertezas.
Tentemos entender Tereza.

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