Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 26 de abril de 2011

Com todo o gás


Porque ontem o meu gás acabou e eu vivo as vicissitudes do final de mês de qualquer assalariado, peguei meus quarenta reais, dei providência num novo botijão e fiquei a pensar na vida. E uma pessoa louca quando inventa de pensar, cria é coisa, inclusive as coisas sem o menor sentido.
Pensei que a última vez em que comprei o gás aqui de casa foi exatamente em 31 de agosto de 2010 e que eu tenho o hábito de anotar no calendário porque sonho com a possibilidade de que meu gás consiga completar seu primeiro ano de vida ao meu lado, menos por pão-durice do que por desafio, já que se há uma coisa de que eu sou convencida é a de não ser pão-duro. Acho que dinheiro é para trazer felicidade para mim e para os que eu amo. Logo, guardar dinheiro, fazer mesquinharias, me privar de um prazer, suportar o sol de ponto de ônibus apenas para economizar táxi, definitivamente não é a minha praia. E negligenciar o aniversário de um amigo ou subestimar os efeitos de alegrias que as pequenas surpresas causam nas pessoas também não são comigo. Maldosamente os meus amigos devem estar pensando: “Esta gosta de dar”. Gosto mesmo – com e sem maldades. Partilho dos versos daquela música que o povo, acho que do Pirigulino, canta: “ Só é seu aquilo que você dá”.
Tenho, óbvio, apegos afetivos a sapatos e roupas, a certas coisinhas e também pondero antes de um grande gasto, mas não sou pão-duro não.
Mas, voltando ao gás, fiquei feliz por ter dinheiro e dei graças a Deus pela minha independência: sei retirar o botijão, sei colocar o botijão de volta e pago minhas contas. Coisas banais que me deixam feliz.
Perguntei ontem a Cléo se o fato de que ela acorda às 5h40min faz com que ela fique irritada. E ela disse que não tem como ela acordar mal humorada, que ela se cansa, mas leva numa boa o ritual da manhã.
Odeio atividades de manhã, compromissos que me obriguem a acordar cedo. Aí fiquei pensando em como é gostoso dormir sob um edredom, espreguiçar de manhã, ouvir música e ir à cozinha, preparar um café da manhã que eu adoro. É um prazer. Mesmo quando o gás acaba e adia tudo, adia o café, antecipando uma série de ações burocráticas, tipo ligar para pedir um gás e seguir desatarraxando válvulas e pondo o botijão a postos. Não estou nem aí, não acabo o meu dia por estas coisas.
Se é certo que eu digo que toda felicidade é suspeita e que eu não acordo dando risada para as paredes, não acordo mal humorada nem triste.
Ultimamente minha casa não tem tido aquela paz de antes, por sinal: ora é uma amiga suicida que liga toda hora porque precisa de atenção ou porque não consegue ser o centro das atenções, como bem cabe ao nosso tempo; ora são coisas mais insólitas para as quais declino minhas explicações: a igreja evangélica que fica no quintal de minha casa é barulhenta – é, meu amigos, moro numa área de 727 metros quadrados, numa casa de 46 metros quadrados, o que ajuda a propagar o som - e eu sofro na Semana Santa e na Micareta, seja com cultos, vigílias e liturgias, seja porque qualquer som de lá vem para cá.
Neste ano há uma escola de samba na minha rua – poderosa, organizada e barulhenta que, por sinal, devido a um carro alegórico e as batidas rutilantes dos seus últimos detalhes, me acordou hoje bem cedo...
De tempos em tempos, acontecem estas coisas. E falando em tempo, hoje Tatiana me citava o Eclesiastes, me dizendo: “Há tempo de semear e tempo de colher”, para um certo contexto e eu concordei. A gente se conhece o bastante para refletir, discutir e analisar as coisas e cinicamente eu disse: “Confie em Deus, mas tranque a porta da frente”, em alusão a que temos que ter fé, mas jamais declinar de nossa responsabilidade sobre o destino das coisas. Ela sabe disso. Eu sei também, e muito.
Daí que fiquei pensando novamente em meu dinheiro que me possibilitou pagar o gás e tomei ciência de que estamos nos últimos dias para fazer a Declaração de Imposto de Renda.
Liguei para a empresa da contabilista. Pensei em Tiradentes, aquele cujo feriado foi 21 de abril e que ninguém presta atenção.
Pensei que o povo dos anos 1700 e lá vai protestava contra a cobrança de impostos: o Quinto, a Derrama e o que ocorresse. Literalmente, perdia-se a cabeça protestando e confabulando contra o excesso de Impostos que a Coroa Portuguesa infligia aos brasileiros. Faço um adendo para explicar que, enquanto fui professora de História no Ensino Fundamental, os meus alunos achavam que a Coroa Portuguesa era uma mulher de mais de 40 anos, que nasceu nas terras além-mar, ao tempo em que achavam que a Colônia era um perfume muito usado nos tempos do Descobrimento.
Aí vou dizendo pelo telefone os dados para o preenchimento da Declaração e tristemente a contabilista procura subterfúgios para promover a dedução: ora, não tenho dependentes, não tenho saída, o governo come o meu salário. Atualmente, excetuando este ano, devo mais de três mil ao erário público... Como é que pode?
Não sei você, mas eu acho o Imposto de renda uma afronta, um roubo: ele é pago porque você recebeu uma determinada renda, entende? Você trabalha, aquilo é seu salário, mas o governo diz que do seu trabalho ele merece cerca de 27 por cento. E Karl Marx, coitado, falava em Mais-valia... sem noção este aí!
Com contrabando é a mesma coisa: contrabando não é roubo. A pessoa foi a outro país, pagou, comprou o objeto. Aí para que o objeto que você já pagou possa vir com você para a sua casa, o governo vai lá e pam! Come seu dinheiro. Quando a alfândega me pega, leva sessenta por cento do valor declarado...nunca mais importei nada, nem importo nem me importo.
Mas eu já paguei, eu não roubei. Contudo, o governo irá traçar uma explicação de Economia de modo a mostrar que as divisas internas e blábláblá justificam a mordida.
Enquanto isso, eu pago o meu gás, com meu salário, tão fugaz...

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