Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 5 de abril de 2011

Fatos e versões


Durante o almoço que tivemos, juntos, há uns quatro dias, meu amigo refutava uma antiga prática minha: o ato de separar o pessoal do profissional, no tocante aos inimigos e às pessoas que julgo execráveis.
Ele argumentava que, sim, uma pessoa pode ser detestável e mesquinha na sua prática social cotidiana e, paralela e contraditoriamente, ser um artista ou um intelectual maravilhoso, conforme meus (nossos) próprios argumentos. Para ele, o meu erro estava em promover o nome da referida pessoa, em levar seus textos às classe de universidades aonde vou, em reconhecer qualidades e situar muito bem os aspectos louváveis da pessoa neste plano tratado. Disse ele que também foi assim e que isso não era certo, não só porque a recíproca nunca seria verdadeira – haja vista que inimigos não reconhecem qualidades nos outros inimigos, nem aplicam justiça em críticas, comentários, seleções, limitando-se a detonar o nome do outro, discreta e vagarosamente ou de forma explícita – mas porque temos outras opções, outros autores, outros teóricos...então, para quê promover o nome da pessoinha lá?
Ele tem toda razão no que argumenta. Creio que realmente, isso não faz o menor sentido, mesmo que eu sustente a velha idéia de que até os inimigos devem ter código de ética – ora, os piores prisioneiros têm; os mais temíveis condenados têm ética; seria possível declinar da ética neste plano nosso, da vida profissional acadêmica?
Houve um tempo em que um outro amigo, nosso contemporâneo, também se queixava da falta de ética dos nossos próprios professores.Ora, e quem não se queixa? Só os beneficiados fingem não ver nada! Ele via com pavor o tráfico de influência, o cargo, a bolsa, a vaga, sempre aparecendo para o namorado/namorada do professor (a), extensivo aos seus amigos e comparsas; via a verba entrar por um lado e sair sob forma de bens mal explicados e incompatíveis com o salário do povo manda-chuva; via os cargos de confiança serem negociados em tempos de eleição...via, como eu via...e reclamava. Até que alguém deu um cargo para ele também. E daí em diante ele construiu a vida por cima, de outra situação hierárquica, porque tem isso: você pode ser aluno,criticar, se indignar... mas se estiver envolvido com as pessoas certas, se souber de podres e de segredos, aposte, o seu bom futuro está garantido. E foi de tanto ver, de tanto andar pelas cozinhas que ele conquistou seu lugar.
Mas, voltando ao primeiro amigo citado, todo dia a gente faz escolhas. Ele até comparou isso de não promover textos de inimigos e de gente execrável ao que Harold Bloom afirma sobre o cânone da Literatura, quando o crítico diz que é preciso escolher, selecionar o que se vai ler, pois não há tempo para ler tudo que existe. Então, sempre podemos fazer novas escolhas e escolher uns pode representar excluir outros. Li nas entrelinhas: exclua seus inimigos. Exclua mesmo!
Recentemente fiquei horrorizada ao conhecer dois autores com os quais eu costumo trabalhar em classe, sendo o primeiro de renome nacional e o segundo suficientemente conhecido: dois homens extremamente arrogantes, deslumbrados, ególatras e desagradáveis.
Não sei se por opção performática, mas um deles assumiu, se declarou deslumbrado e ególatra. E eu fico com a consciência em paz por isso, já que não foi apenas uma constatação minha ou uma impressão à toa. Neste caso, se eu gostava deles antes de conhecê-los, admirava a obra e tudo mais, não teria motivos para firmar impressões negativas. E assim foi. E eu declaro para os devidos fins que NUNCA MAIS adotarei obras de nenhum dos dois.
Obviamente, não se pode confundir a pessoa física do autor com o narrador de uma obra de ficção, não estou falando disso – entre as celebridades, minha amada Brigitte Bardot, que defendia os animais, era reconhecidamente preconceituosa com os negros e insuportável no trato com os seus empregados (Ah, meninos, muita gente amiga minha, que levanta bandeiras de igualdade, também é assim.” Igualdade sempre, mas não lá na minha cozinha, ta?”, é o que se pode subentender das práticas). Logo a persona artística é outra situação, a persona pública, idem – estou falando daquilo que está claro.
E se fosse meu amigo a escrever agora, ele diria que, trocando em miúdos, não se deve divulgar o nome de gente escrota a não ser para mostrar que a pessoa é escrota.E ele ainda ilustrou: “Se Hitler pintou quadros bonitos, que lindo! Que belo artista! Entretanto, isso não apaga o fato de que ele dizimou judeus, perseguiu, matou e foi desumano, isto é, foi um tremendo de um escroto!”. Donde se pode deduzir que gente que é escrota com a gente ou que de quem a gente testemunha atos escrotos, não merece holofotes, foco, brilho, zoom, purpurina, festinhas, paparicos, divulgação de seus trabalhos. Mas como eu fui idiota!

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