Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A praça e o poeta


Olha o meu problema de acordar de bom humor, em ver a vida ensolarada, apesar de tudo nublado nesta cidade chuvosa, apesar de não ter dormido assim tão bem porque é Micareta e minha obrigação é estar na Avenida, porque, caso contrário, a Micareta vem até a minha casa. E assim foi: deitei antes da meia-noite, mas até depois das duas da manhã ouvia uma canção de ninar que dizia: "Vou não, quero não, posso não,minha mulher não deixa, não"... e não estou aqui para condenar a alegria dos outros, nem para julgar se esta alegria é falsa ou natural. O importante é que tentam ser feliz, e isso eu também faço em todos os dias do ano.
E fico com esta minha cabeça louca pensando em Caetano veloso cantando que "Enquanto so homens exercem seus podres poderes/Índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval" e também acho que eu "queria poder cantar afinado com eles"...
A praça é do povo,quando é carnaval em Salvador, na Praça Castro Alves; a Avenida Presidente Dutra é do povo enquanto durar a festa em Feira de Santana. Let it be!
Então, o caso é que todo o som desta cidade parece ter predileção pela minha casa: o vento traz o barulho da festa, o da missa, o do culto, o das escolas de samba...entretanto, o afoxé que é aqui pertinho, o Pomba de Malê, nem traz o menor eco, porque é perto, mas desfavorecido (?) acusticamente pelas condições topográficas.
Nesta manhã eu estava pensando em um poema do meu orientador, aliás, ex-orientador, porque ele era meu orientador no mestrado, mas ocorre que os afetos e o respeito são constantes e duráveis e eu fiquei carregando o título de orientador para ele esse tempo todo e, enfim, durante o concurso que fiz recentemente, eu sempre pensava nos versos: Fera que sou entre feras,vou devorado por elas e as devoro...". E lembro que um inimigo meu, despeitado, desceu a madeira neste poema, dizendo que era uma imitação barata de Augusto dos Anjos. Este inimigo meu já morreu, por sinal, mas faz falta quebrar o pau com ele, porque fera que eu sou, adoro uma briga.
Infelizmente meus inimigos atuais são sonsos, dissimulados, carrascos carismáticos que quando saem da vista do público fazem coisas que Deus já deixou de duvidar. Tudo gente frágil e sensível em sua casca social. E eu, que já estudei história,sei o que é uma pessoa populista, o que é um tirano e o que é um líder carismático - entre ser amado e ser temido, esses vermes sabem ser amados e manipular as pessoas perfeitamente bem.
Mas, meu digno orientador, parafraseando Nietzsche, diz no seu poema ECCE HOMO:
Nasci entre feras
e entre elas me vou
fera que sou entre feras.
Vou devorado por elas
e as devoro (os dias difíceis?
as horas belas?):
elas e eu num declive
elas presas e eu livre
nelas.


Mas eu não lembrava do poema todo, lembrava das partes que marcaram seu significado em mim.
Há um que se chama A inútil lição, que eu adoro, também:
Disseram que não sou eu,
não contestei, consenti;

e que num tempo remoto
fui o contrário de mim.

Mergulhado em meu avesso
buscando saber quem sou

errei meu endereço
enquanto a vida passou.

E há outro poema chamado POEMA (é isso mesmo, POEMA!), que eu amo:

Entrei de costas na vida
e vi o passado morrer:

sou este ser invertido
olhando para o perdido

como quem sabe esquecer.

E quando eu escrevo neste blog sobre lições e aprendizados, não deixa de ter o peso da realidade do que eu realmente aprendo. Daí que há um poema chamado QUARTO APRENDIZADO, que eu também adoro:

Para nada vivo.
Sou apenas mais um, e se não fosse
nenhum seria
o prejuízo.
Nasci por mero acaso
e não me explico. E
por mero acaso
aceito satisfeito a tudo isso.

Todos estes poemas estão contidos no livro Amálgama, lançado em 2004 e se eu não disse o nome do homem antes foi para não influenciar as impressões sobre a poesia dele: Roberval Pereyr.
Tenho um rolo bravo com os poetas, claro, com os que me enganaram, não com este, de quem eu não canso de dizer: mui digno. Pessoa íntegra, criativa, sábia, que pacientemente tentava me ensinar a perdoar, lição me que não me esmerei muito. No mais, tudo foram lições.

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