Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Mudos e mudanças


Não sou de mudar os móveis de lugar em minha casa. Sei lá, me sinto deslocada, estranha, parece que nem é a minha casa. E, por outro lado, sempre que mudo de amores – amores mesmo, não esses traficozinhos sentimentais, esses contrabandos amorosos e outras emoções baratas e instantâneas – eu gosto de trocar de móveis ou modificar alguma coisa da decoração, de uma parede, de algo assim.
Experimentei mudar a cara do blog várias vezes, agora que ele completa seus dois aninhos de vida - ariano como eu, porém de nove de abril. Ah, achei mega esquisito, me senti deslocada... aí estou brincando de experimentar novas caras nele, mas acho que sou conservadora, neurótica o bastante para gostar da rotina.
A rotina que eu gosto é aquela que me dá segurança, que me dá a segurança de que tudo esteja em seu lugar. Mas não gosto nada de um dia igual a outro, de pensar que ontem foi igual a hoje e que o hoje se repetirá amanhã – creiam, eu adoro o devir!
Também sei a medida em que as coisas enchem o meu saco, extrapolam os meus limites e as fronteiras da minha parca paciência. E quando isso acontece, se for, por exemplo, no setor de trabalho, eu não discuto mais. E quem mais me conhece sabe, que se eu sou falastrona e me calo, a tempestade está no ar, densa, escura, sobre a cabeça certa.
É, o silêncio é a minha pior atitude, é minha pior capa: significa sempre o pior, os piores sentimentos. Talvez quem melhor saiba disso são aqueles que eu risco, pelos quais eu não pergunto jamais, para os quais o meu silêncio é o silêncio do desprezo.
Outras vezes esse silêncio é anulação, acima de tudo, mas jamais é passividade. Não sou passiva, mas também reconheço que barulhos são inúteis diante de ouvidos viciados ou tapados – e todo ser humano bem tapado tem um ouvido condizente com sua condição de tapado, ouvido de mercador.
Já estive em silêncio, também, diante da grandiosidade de um sentimento: eu não sabia dizer que amava aquela pessoa. Certamente, dizer não bastaria, todas as palavras seriam insuficientes. Grandes amores também me emudecem.
Há os silêncios que eu odeio também: quando alguém se sente ferido e não verbaliza, não há como saber o que houve.
Nos filmes de Hollywood, quando é hora da separação, um dos personagens sempre pergunta: “Foi alguma coisa que eu fiz ou deixei de fazer?”. E a peste do interlocutor nunca responde. Isso é terrível!
Mesmo que seja para ouvir as piores sentenças, os maiores absurdos, as mais deslavadas injustiças ou para ouvir que simplesmente os sentimentos acabaram e ponto final, vale quebrar o silêncio e esclarecer. Deixar o outro sem resposta, neste caso, é mais do que desrespeito.
Há as respostas silenciosas, claro, como diz um ser humano que eu muito prezo, mas se calar para fugir do confronto é covardia feia.
Aprendi com outra amiga algo de que eu já tinha desconfiança: amizades de trabalho são bichinhos delicados e melindrosos. Portanto, não são animais domésticos. Se você os leva para casa, corre riscos demais. Então, deixemos o trabalho no trabalho mesmo, isto para quem tem juízo, óbvio.
Pior do que transportar as amizades do trabalho é morar com o trabalho, no trabalho e com as pessoas do seu trabalho. Não é a sua família, não adianta substituir: tudo se confundirá às suas costas, seus segredos se espalharão ao vento, suas confidências serão usadas contra vocês e aquelas amizades serão destruídas por causa de hidratantes, por um pedaço de pão, por um esquecimento, por uma pequena negligência, por coisas mal interpretadas ou pela interpretação maligna oferecida por algum daqueles que você pensou ser amigo e que, sabendo manipular os sentimentos de grupo, vão te colocar no ostracismo.
Acho que isso justifica a minha aversão por confraternizações e demais falsidades de convívio – a ausência da gente também é um modo silencioso de mensagem.
Mas, então, eu que sou portadora do gene da incontinência verbal, não seguro o verbo mesmo, assumo as coisas que penso com uma certa tranqüilidade. Acho que continuo acreditando no tempo, senhor de todas as Verdades: Demora, mas revela!
Uma pessoa novamente me perguntou sobre o fato de que eu não acredito em cartomantes e afins. E como isso tem a ver com o tempo, eu vou explicar, trocando em miúdos: na minha acepção, o passado já passou. Então, eu conheço o passado pois se refere às coisas que eu já vivi.
O presente, eu vivo hoje. Logo, o que se passa agora eu sei muito bem, até porque não bebo cachaça.
E do futuro, ninguém sabe – nem a cartomante. Então eu não teria o que fazer numa cartomante. Quem pode se antecipar ao tempo? Só quem envelhece precocemente ou nasce prematuro, né?
Mas já fui, sim, sob pressão de amigas ou para desafiar minha própria descrença: tudo vago, tudo em vão, nunca vi nada se concretizar. Pelo contrário, vi foi gente manipuladora mandando ver nas inseguranças dos outros, falando o óbvio com ares de sabedoria, usando seu poder de coerção para o mal, manobrando a eficácia do simbólico com astúcia e sagacidade.
Não gosto de mudar os móveis de lugar, talvez porque eu goste do meu lugar exatamente como ele é, gosto de ter familiaridade com a minha casa ou, até, porque eu ache que mudança é algo mais substancial, não são simples trocas, mas completas substituições e renovações – com tudo que isso suscita de grave, de perigoso, de arriscado, de bom, de supreendente...
Ou será que apenas os amores merecem que façamos mudanças verdadeiras?

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