Louquética

Incontinência verbal

domingo, 10 de outubro de 2010

"E quem há de negar que esta lhe é superior?"


Há amizades que mesmo sendo boas têm um tom ácido, tem uma veia de dor e de angústia - e não reclamo delas, não. Muitas vezes esses qualificativos são a outra face de uma mesma amizade. Entretanto, como me é caro, deleitável, gostoso, prezeroso e degustável a amizade cúmplice.
Minha amiga Conceição, eu bem disse, quando me via com a cara quebrada pelas decepções, com o coração estraçalhado pelos amores contrariados ou quando me via toda arrebantada por causa de minha burrice e teimosia, não dizia nada, apenas me acolhia.
Ela me conhecia o suficiente para saber que eu já me sabia errada.
Em muitas situações ela me advertia, me precavia. E se eu, teimosa mais do que obstinada, apostava no erro e saía vencida e no prejuízo, eu não ouvia um "eu te disse", mas um "vem cá!".
Outras vezes, ela olhava para mim e dizia: "E aí, o que é que a gente vai fazer?" ou seja, ela era partícipe da busca pela solução dos meus problemas.
Grande amiga, seja no jornalzinho do Segundo Grau, seja nas porradas em que a gente já se meteu em época de eleição da Casa dos Estudantes, seja nos temores após a primeira vez de cada uma de nós, seja nos shows, nas viagens, nos estágios, nas bagaceiras da vida universitária e nas batalhas pela vida profissional,eis Conceição, eterna cúmplice.
Fiz uma viagem cansativa, como sempre, para casa ontem. Nem por isso cheguei mal humorada - eu sabia que teria muito o que fazer, que ultimamente nem daria para ficar nervosa ou triste porque me falta tempo para isso - ou, para sabotar aos possíveis invejosos,estou excitadíssima com a vida, com os novos capítulos da minha existenciazinha, encantada com o romancezinho, com as escolhas, com algumas coisas boas, com algumas oportunidades - então, não pensei em badalações para a noite de sábado.
Na verdade, penso muito em minha tese. Juro! ando em círculos, vejo que ando lendo pouco, que estou muito no objetivo geral e com receio e incompetência asssumidos para definir os específicos, toda torta, toda confusa, toda insegura, mas, enfim, se há duas coisas que levo a sério na vida estas coisas são os meus estudos e o meu trabalho.
Não quero dizer que sou a palmatória do mundo, que quero me envolver em projetos, que quero afazeres extras, que viajo nos planos dos grupos de pesquisa ou coisas do gênero. Neste sentido, busco cumprir o que me cabe e pronto! salvo quando há projetos coletivamente pensados ou quando é coisa de um colega de trabalho mais chegado que, aí, sim, eu me irmano. Salvo, isso, quero dizer que levo a sério no sentido de priorizar, de desligar o telefone enquanto dou aula, de estar no trabalho quando estou no trabalho e de estar estudando quando estou em meus horários de estudos.
Na hierarquia interna, o estudo, claro, está acima do trabalho, mas se volta a favor dele.
Eu sabia que teria o que fazer, então exclui a possibilidade de sair e tudo bem!
Mas aquela voz ao telefone me diz: "Mara Vieira?" e eu lhe respondo: "Sim, pois não?", sem reconhecer a minha amiga que desdenha, gracejando, de eu estar em casa sábado à noite.
Poxa, eu gosto de Tati para caramba! eu gosto mesmo de minha amiga. E adorei receber aquele acolhimento dela, aquele gesto de telefonar para mim para saber de mim, para dar risada de si, para falarmos futilidades e fazer planos...Dom Quixote é incompleto sem Sancho Pança, gente, não tem jeito!
E ela então,a par de minha vida, incitou leituras sobre mim mesma que eu desconhecia. Excelente analista!
Mas tem aquele outro lado em que o superego dela se projeta em mim - ela, uma menina séria, inteligente, estudiosa, independente, trabalhadora, brilhante, monogâmica e moralmente correta - e fica me dizendo que a minha aparência não tem nada a ver com as minhas atitudes e que isso induz leituras erradas (ela se referia a um dos meus colegas de classe que se excedeu em demonstrar...digamos, interesse.Eu já interessada inteiramente em C.)
Ela não me diz isso me desculpando, não: ela põe em frente a mim um outro reflexo no espelho e me mostra como responsável por aquilo que eu desperto (saja o que for, de bom e de mal), de modo contextualizado, claro, porque há ódio, amor e desejo gratuitamente dados.
É uma prazer falar com Tati.
Mas como projeção do superego dela, ela espera que eu tome a iniciativa na conquista, que eu não me lastime dizendo que "quem anda me comendo é o tempo" e siga esfregando o calendário dos encontros íntimos que, por sinal, nem dá meia dúzia de dias para todo este ano. Ah, ela odeia isso!
"(...)Assim como amor está para a amizade e que há de negar que esta lhe é superior?", hein, Caetano? eu bem sei. Mas é que a amizade realmente é um grande amor e todo grande amor não é suficientemente grande se não contiver uma forte amizade.
Então, Tati, minha amiga, você é um amor de pessoa e é um amor e tanto!
Ela lamenta nosso pouco turismo acadêmico deste ano, porque os eventos acabaram se chocando e agora ela vai para Minas e eu para Campinas, o que diminui o prazer da viagem, porque somos cúmplices, dividimos opiniões, lamúrias e nosso juízo sobre os gatos que passam pelas ruas de São Paulo. E o que é São Paulo sem Tati e sem sua habilidade e senso de orientação pelos metrôs? e sem a paixão dela por comer sanduíche da Subway, coincidentemente (subway é metrô, em inglês, lembram?).
E o que seria dela sem os meus pitacos na hora de comprar presentes para a família, na hora de planejar e comprar as peças do guarda-roupa profissional dela? fora os sapatos e os passeios pelas outlets e as inevitáveis contas para fazer o balanço do impacto financeiro das inconsequências shoppaholics!
E na hora das referências bibliográficas, somos cúmplices.
Quando a escrita dá aquela estagnada e a gente entra em crise, juntas gememos e choramos, desejando um café gelado que nos console. E este trajeto todo é para dizer que eu estou super feliz por saber que a minha felicidade é importante para ela.
Eis uma pessoa que verdadeiramente gosta de me ver bem.
A felicidade de que tratamos é aquela, a do possível, a que não exclui angústias e problemas ou ansiedade. Felicidade de gente de carne e osso, sabe?
Estou mesmo feliz e tocada pelo carinho e pela atenção de Tati comigo.
Recentemente, pegaram o namorinho escondido de uma aluna minha.
Diga-se de passagem, minha aluna fofa, maravilhosa, que está de nomoro com um aluno igualmente querido.
Por divergências religiosas, a moça foi induzida a contar aos pais o namoro e, consequentemente, a terminar com quem ela gosta. Como pode ter gente assim no mundo, com o prazer de ditar o que é certo e jogar areia na felicidade dos outros? eles lá, sem fazerem mal a ninguém, duas pessoas de bem que tiveram a chance de se perceber e de se gostar, agora ameaçadas pelo valor crítico dos estranhos.
Por isso algumas relações devem e precisam ser sigilosas, escondidas: há sempre quem se incomoda, quem acha que o outro não merece a plenitude daquilo que vive, enfim.
Em um outro caso, estou também em paz por ter sabido que as máscaras de duas pessoas deste quilate caíram: por um lado é um alívio por me sentir vingada pelo tempo ter mostrado quem é quem; por outro, é aquela satisfação da justiça dos acontecimentos porque confiaram na dada pessoa e me puseram em suspeita. Agora, toma! sinto, óbvio, porque eu não queria que Ella se magoasse, que descobrisse desta forma que a amiga não era amiga, que disputava o território amoroso com ela e que, sobretudo, era uma disputa de vaidades. Neste efeito dominó, caíram 03 máscaras, mas só duas foram percebidas. É o que dá a falsidade. Quero é estar longe disso sempre!
Mas dos meus amigos é quero estar perto em sentimentos, em pensamentos, em planos e poder agradecer por este esteio, este porto em que ancoro mágoas e felicidades.

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