Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Viagem ao centro da Terra, II: o retorno.


Eu acompanhei os primeiros momentos da transmissão do resgate dos 33 mineiros presos numa mina no Chile.
Fiquei apreensiva e, junto com o meu amigo, aqui no sofá da minha sala, chorei de emoção ao ver o primeiro deles,Florêncio Avalos, meia-noite e cinco, aproximadamente.
Não vi sensacionalismo, mas vi populismo saltando nas telas de TV.
Somente agora, quando portais e canais de TV focalizam a bigamia de Johnny Barrios, o décimo oitavo deles a ser resgatado, num típica situação à la Nelson Rodrigues,é que começam a se esboçar as mediocridades midiáticas.
Não deve ser fácil encarar mulher e amante após um trauma dessa natureza, mas certamentea imprensa não mentiu ao dizer que o referido mineiro declarou estar apreensivo em sair da mina. Nem imagino: "Saio da mina para entrar na porrada!", deve ter pensado ele.
Se eu fosse a esposa traída, descia-lhe uma boa dose de Madeirol, 500mg: rolo de macarrão na nuca ou equivalente. Coitada dela: duas dores concomitantes.
O outro lado do espetáculo é a busca de Sebástian Piñera pela popularidade, forçando a maturidade política do país, após vários eventos que revolveram literalmente o Chile - o relativamente recente terremoto e a organização da economia do país, que dividiu opiniões e inclinações políticas.
Não sou maniqueísta: nem todo rico é mau.
Sebástian é estupendamente rico, bilionário, para ser exata: acionista que detém parte da TAM, já que tem sua própria companhia aérea (LAN, se não me engano)e aderiu à fusão com a companhia brasileira; levou as bandeiras dos cartões Visa e Mastercard para o Chile, no final da década de 1970, criando o Bancard; tem um canal de televisão; tem um time de futebol popularíssimo no Chile (o Colo-Colo) e tem uma carreira empresarial sólida.
Tendo entrado na política já rico, por várias vezes foi acusado de se valer dos cargos políticos (foi senador também) para beneficiar uns e prejudicar outros, o que o fez ser derrotado na eleição anterior para presidente
Ele se fez presente ao longo do resgate, com sua primeira-dama, e passou bastante sensibilidade, otimismo e solidariedade frente ao caso. Se uma coisa está sendo usada com vistas a outros interesses...
A Globo News, no Em cima da Hora, noticiou que os mineiros ficarão sem salário, mas divulgou, também, que um empresário da mineração, que vive nos Estados Unidos doou 10 mil dólares para cada um dos mineiros e que eles também ganharam uma viagem a Barcelona ou outra cidade espanhola, além de haver uma disputa prévia dos canais de TV e de roteirissta e diretores de cinema, a fim de "comprar" a história.
Para quem estava no buraco, é uma mudança e tanto.
Por mais que eles esbocem sorrisos, sabemos que um stress pós-traumático pode estar em curso - seria esperado, porque eles são humanos.
A gente é que por meia dúzia de angústias diz que esteve no fundo do poço - não esteve não, gente fina, trauma é isso; fundo do poço é isso, é estar há 70 dias embaixo da terra - com a morte, a doença, o desespero, a tristeza, deixando seu bafo quente nas costas dos desesperados.
São Lourenço, padroeiro dos mineiros, deve ter ralado o seu bocado para permitir esse resgate - raramente um fato causa tão sincera comoção e mobiliza nossa atenção nesse nível.
Eu imagino a primeira noite deles, fora do túnel, acordando assustados sem saberem onde estão; os pesadelos que devem durar infinitos tempos e os bons sonhos certamente conterão o "Chi-Chi-Chi-Le-Le-Le!", grito de guerra da equipe de resgate.
Depois da euforia do salvamento, os sintomas aparecem - na verdade, o resgate psicológico será mesmo necessário.
E que ninguém se engane: As perguntas óbvias virão:
- Qual foi a coisa que você mais sentiu falta lá em baixo?
- Houve um momento em que você pensou que tudo estava perdido?
- O que muda na sua vida daqui para diante?
- Que lição você tirou dessa experiência?
- Qual foi a sua maior preocupação?
- Qual a primeira coisa que você pensou em fazer ao sair?
Olha, nem é necessário seguir a lista das perguntas óbvias, mas pelo menos o extraordinário foi que eles sobreviveram.
Mais uma vez, a vida excede a ficção!

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