Louquética

Incontinência verbal

sábado, 2 de outubro de 2010

Beba da poesia


Hoje, enquanto eu falava sobre a lírica moderna, percebi o quanto se cristalizou a idéia de que o lírico é sempre significado da palavra doce, da imagem suave, das coisas sublimes.
Mas, então, o que dizer dos meus preferidos, os ácidos, os que definitivamente não correspondem aos ideais de delicadeza? mas sensibilidade só é sensibilidade se se voltar para as coisinhas suaves, leves, doces, amorosas, melosas?
Na vida, como na poesia, tem dessas coisas.
Tem gente que não é exatamente de te cobrir de abraços, de palavras doces, de afagos, mas que é, ao seu modo sensível: vai te dar a justa medida da disciplina imprescindível para alcançar um objetivo; vai te dar a palavra dura que te ajuda a ver a realidade; não vai levantar uma bandeira, mas vai defender uma idéia e, com certeza, vai te ajudar de outra forma que não seja o consolo com palavras que amortizem o seu sofrimento e que, entretanto,reconhecem esse sofrimento e se manifestam como apoio à busca de uma solução.
A diferença entre a perseverança e a teimosia é muito discreta: hoje eu estava com um amigo bêbado - este, por sinal, bêbado praticante e não bêbado profissional. Explico: o praticante, pratica para ser igual aos outros.
Ele bebe para se socializar, para mostrar que é simples e que está inserido numa comunidade qualquer. E bebe até ficar mal.
Bêbado profissional é o vulgo pé-de-cana: bebe rios de álcool, mas é difícil de tombar. E bebe todo dia.
Finalmente, quando está possuído pelo álcool, ele, por ser profissional, reconhece o seu estado de bebedeira (pode ser um reconhecimento interiorizado, intimista, só dele consigo mesmo), pára, senta (geralmente no meio-fio) e espera o chão parar de rodar. Alimenta, porém, a esperança de chegar em casa e curtir os efeitos.
Mas, então, o bêbado praticante com quem eu estava sai bebendo aqui e ali.
Se ele está conosco e vamos à casa de algum amigo, ele vai fazer uma visita pormenorizada aos bares do caminho.
Se for do tipo Duda, ele pára, senta e bebe no boteco.
Se for do tipo mais comum, ele faz visitas rápidas e a trajetória continua - a pé ou de carro, tanto faz.
O caso é que o bêbado praticante que me fazia companhia encheu o...organismo de álcool até ficar idiota, totalmente idiota, sem a mínima condição de dirigir. E aí, adeus bom senso! mesmo eu pedindo para que ele descansasse um pouco (que dá para traduzir por: "Meu irmão, arreia teu corpo aí na sala do nosso amigo e relaxa, espera passar"),o tapado foi insistente, persistente, obstinado e teimoso em dirigir.
Dizem que "annus beborum non dominum habet", ou seja, "...de bêbado não tem dono". Mas não tem dono o corpo todo, não tem autonomia!e o orgulho de bêbado, sim, esse cresce a cada dose: bêbado é valentão, quer brigar com todo mundo; bêbado é megalomaníaco: quando invoca, quer pagar bebida para o bar inteiro; bêbado tudo pode na cana que o fortalece e que ninguém conteste a palavra de um bêbado!
Meu amigo repetiu 06 vezes uma pergunta e 06 vezes esqueceu a resposta obtida.
Esquece-se tudo.
É provável que bebam muito porque enquaanto bebem vão esquecendo que já beberam e ái repetem a dose.
Numa certa vez, inclusive ( e isso não é ficção), estando ele e o irmão bêbados, resolveram jogar sinuca.
Num lance, um deles gritou: "não roube, seu filho da puta! filho da puta ladrão!"
O outro, ofendido, falou:"não xingue minha mãe! filho da puta é você!".
E a briga deu em um fenomenal troca-tapas, sendo que eles eram filhos da mesma mãe. E isso é sério: desconheceram o parentesco.
Não, honey, não se trata de uma embriaguês lírica.
Voltando ao bêbado praticante: ele quis dirigir, insistiu, não quis ajuda, descreveu um caminho em zigue-zague (sóbrio ele já reclama dos postes, que estão sempre no lugar errado)e chegou em casa são e salvo, conforme eu soube pelo telefone - algo que não se pode dizer da lateral do carro nem da árvore de médio porte que fica em frente à casa dele.

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