Louquética

Incontinência verbal

domingo, 25 de setembro de 2011

É de morte!


Até o presente momento estou morrendo de sono, após ter ido a Xique participar de um congresso internacional, do qual voltei na madrugada do sábado. E madrugada é exatamente madrugada: quatro e meia da manhã. Sei é que desacostumei tanto da lida e da viagem que senti o impacto da viagem bem mais do que outrora, no sentido do sono.
A ida é que foi mórbida e engraçada: sabendo que sou como sou com o meu sono, optei por viajar durante o dia. Sentei na frente, estando, portanto, relativamente próxima ao motorista.
Devido à proximidade física e à ânsia biográfica daquele jovem condutor, a primeira coisa que eu soube foi que ele flagrou a mulher em adultério e, mui tranquilamente, arrastou seus pertences de casa, ficando puto da vida antes mesmo de se sentir corno e revoltado.
Queixou-se dos passageiros, que tanto reclamam do excesso de velocidade. Aí veio o mórbido: ele disse que era motorista da funerária e agente funerário antes de estar ali, dirigindo o ônibus. Ao falar dos “reclamões”, disse que bons passageiros eram os seus defuntos,sempre quietos, sem reclamar de velocidades ou argumentar que não eram animais nem batatas para serem transportados daquela forma.
Entendi que ele nos preferia mortos.
Aí vem o lado pitoresco: ele declarou com todas as letras que adorava tratar com cadáveres, sendo o último sua própria mãe, ainda jovem, de 43 anos - há uns três meses.
Contou a todos nós que dirigia a 160 km até São Paulo, para buscar corpos de lá, de gente cuja família morava aqui na Bahia. Para isso, levava 55 horas para ir e voltar, sem dormir, movido a Red Bull e Arrebite, em troca de uma boa grana.
E falando em grana, ele declarou que a morte dos outros é muito lucrativa: caixões de defunto estão pela hora da morte (ora, vejam só!), um bom caixão anda aí pelos dois mil e quinhentos reais e ele fez propaganda do plano funerário daquela sua ex-empregadora.
O rapaz explicou que literalmente não ter onde cair morto é deixar a família em situação delicada, a alternar a dor da morte com as dolorosas despesas dos funerais.
Disse ainda que tinha muita prática com cadáveres que tiveram aquele tipo de morte que por aqui chamamos de “morte feia” (vá entender se há morte bonita!), sendo ágil para juntar fragmentos de cérebro e demais miudarias resultantes de impactos sobre os corpos.
Interessante foi quando ele explicou para nós, passageiros ainda vivos naquele momento, embora já questionando até quando, como se aplicava formol: injetando no globo ocular e descendo a seringa pela parte superior do corpo, especialmente, face e membros superiores, o cadáver ficava “novinho” por até cinco dias. Bastante apresentável para as visitas.
Não sei de onde vem esse hábito esquisito, mas ele descreveu o velório à là A morte e a morte de Quincas Berro D’água, de Jorge Amado: cachaça, piadas, comidas e até paqueras (aqui já não critico porque Tella adora paquerar em velórios... vai que alguém enterra nela, não é? Cada um com suas esquisitices!).
Diria eu, parafraseando um ícone do forró malicioso nordestino, em se tratando de minha morte: “Quando eu morrer,/me enterre numa cova funda,/Se não, vem um urubu,/para comer a minha...”. Deus me livre que eu não quero estar morta, na minha, estiradinha, com um bando de gente em volta de mim fazendo chacotas entre si, rindo e se acabando de comida e de álcool: sou capaz de levantar do caixão e botar todo mundo para fora, para acabar a algazarra. Ora, uns morrendo e outros comemorando!
Incrível foi que eu cheguei morta de cansaço a Xique-Xique, após 10 horas nessa companhia fúnebre. Eu tive foi medo de dizer que eu estava morta de cansaço: vai que o motorista se empolga e entede literalmente essa minha hipérbole? Como não poderia deixar de ser, ele falou o nome dele, mas explicou: aqui em Irecê me conhecem por Zé do Caixão! Se precisarem de mim, é só chamar.

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