Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Entre o ódio e o pavio curto


Tati me falou, toda entristecida, sobre uma colega de trabalho dela, que outrora fora colega de curso na universidade, mas com quem não manteve contato senão um cumprimento vago, que a gente chama cumprimento de sobrancelhas, e que claramente nutre um ódio supremo por ela.
Foi isso que a tocou: o ódio gratuito, especialmente de uma pessoa que, para ela, nunca existiu. E o agravante: ela usa o ódio para fazer campanha contra a minha amiga, solidificando maus conceitos, construindo a imagem paralela, o conceito antecipado dos que ainda não são próximos – já que o concurso convocou Tati recentemente e a outra já está lá há um tempo maior.
Coitada, ela sofre mesmo. Sofre de indignação, porque quando se é odiado, a primeira coisa que a gente pergunta é “o que é que eu fiz contra essa pessoa?”.
Bobinha, a minha amiga: nada, não é preciso ter feito nada contra o outro para que ele nos odeie. O certo é que o ódio seja neutro, que cada um odeie, mas deixe o objeto de ódio em paz. Assim deveria ser. Reporto-me, mais uma vez a Lobão: “O inferno não depende da presença do Diabo”. Este sim superou Sartre, para quem “O inferno são os outros”. Não, o inferno está em toda parte independente do comandante, independente da presença do Diabo.
Logo que eu cheguei num certo emprego meu, vi uma reunião que abundava em mútuos desrespeitos, um pandemônio. Neste dia eu chorei e disse: “Eu não quero trabalhar no inferno”. Coisa mais besta, hein? Meu inferno estava só começando. E não chorei por mágoa não, chorei decepcionada, comovida com o quadro todo. Algo que não me ocorre é chorar por causa de coisas desse gênero se o alvo for eu. O que primeiro se descobre na estada do inferno é que os anjos são todos falsos e que as pessoas são escolhidas para serem demonizadas. Mas é comum, é recorrente: demônios verdadeiros se travestem de anjos.
Tenho os meus dias de cão. Tenho que encontrar com o Capeta, ultimamente bem mais do que eu queria ou do que eu de fato suporto e há dias em que eu não estou a fim de negociação.
Quem nunca trabalhou com gente filha da puta que atire a primeira hóstia. Oh, classe que cresce assombrosamente!!! Mas o problema é que Tati sofre mesmo. E eu também: em todos os casos eu fiz contagens regressivas, eu desejei o bem a quem me odiava, apenas para que a pessoa fosse para bem longe de mim – e isso é bem conhecido de minha parte: mais do que estar perto de quem eu amo, eu desejo estar longe de quem eu odeio, porque no geral eu aprendo rapidinho a odiar quem me odeia. E distância é o mínimo que eu quero desses capetas.
Mas, levantar, todo santo dia, e saber que vamos encontrar quem nos odeia (e quem odiamos), passar uma vida num contínuo exercício de ódio, todo dia, por vários anos, é a réplica do Inferno.
O ódio sincero é melhor que a falsidade camuflada, isso eu reconheço. Nenhum de nós está no mundo para ser odiado, não é bom, mas a gente aceita desde que esse ódio não nos atinja, não bloqueie nossos caminhos.
Muitas vezes o convívio ruim se prolonga por coisas que estão acima das escolhas, pelo que não depende de nós, porque a gente não vai largar empregos e lugares por causa de um convívio insuportável, mas esse apego, depois, se mostra frágil: faz tanto bem estar longe das pessoas nefastas. Vale a pena fazer a contagem regressiva até o dia do fim do estágio probatório, vale a pena contar os dias que faltam para acabar os motivos do convívio forçado... Ah, é uma satisfação que não tem preço.
Às vezes o ódio vem do chefe ou do superior hierárquico. Aí a gente está lascado: tudo será usado contra nós, nenhum esforço será reconhecido, todos os caminhos estarão travados e o Inferno estará garantido. É um preço muito alto para o pão integral nosso de cada dia, não acham? Aprendemos com Chico Buarque: “Depois penso na vida para levar, e me calo com a boca de feijão!”. Tem quem use nossas necessidades como elemento de chantagens.
Como pessoas assim, que usam cargos, posições, benefícios simbólicos, para coagir infernos alheios, podem dormir sossegadas?
Acho que o homem tem um terrível instinto primitivo, violento e de autodefesa, conjuntamente e, por isso mesmo, se o ódio é assim estupidamente gritante, ele só será aplacado pelas vias de fato, no tapa e no braço. Enquanto isso não ocorre – e os que se fingem de civilizados vão deixar de reconhecer que a violência está no assédio moral, na humilhação, no aviltamento e na perseguição exercida e não na briga física.
Acho ridículo que alguém pague para ver dois idiotas brigando num ringue. Como aquilo pode ser esporte? Como as pessoas não se envergonham em se comprazerem com uma pessoa apanhando até cair? Que instinto monstruoso faz a torcida ver e torcer pelos que trocam murros, pancadas, ferimentos, numa arena autorizada? Que beleza há no nariz quebrado e sangrando de quem cai na lona? Mas essas mesmas pessoas preferem a tortura permanente e gradativa dos pequenos atos violentos, da fofoca, do dano moral, da difamação, das chantagens (por que, quem vai enfrentar o chefe e correr o risco do desemprego?). Violência é isso, é a luta desigual... Descarregar ódio e assumir que o ódio pela porrada é mais lícito é a via mais sincera – palavra de quem não suporta a violência. Mas, nem todos são valentes fora dos seus nichos e lutar sem máscaras pode ferir a cara.

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