Louquética

Incontinência verbal

sábado, 17 de setembro de 2011

Paraísos farmacológicos


Eu sou muito desconfiada com relação à medicamentalização da vida.
Claro, se houvesse remédio para as dores existencias, anestésico para dores de amor, curativos para feridas narcísicas, com certeza eu pegaria a minha receita e iria consumir esses produtos aos rodos.
Também não nego que sofremos ações de hormônios, de processos químicos, de síntese de vitaminas, prostaglandinas e o que mais for que sensibilize nossa vida e nosso bem-estar e nos ponham propensos à cafeína, ao álcool e a qualquer outra coisa de efeito paliativo para suportar a vida e suas vicissitudes. Mas essa onda de Lexontans e Rivotrilização do ser humano, meus amigos, aí já está um pouquinho demais!
Dizem por aí que a felicidade tem seus componentes genéticos...pode ser, sei lá. Mas ainda continuo achando que nessa nossa era de medicamentalização da vida, em que pouca coisa tem cura, mas para tudo há um remédio, a depressão começa a ser artigo da moda.
Há um tempo atrás, Depressão era só um evento advindo da queda da Bolsa de New York, nos idos de 1929, cuja repercussão econômica foi mundial e balançou mercados e também existências. Agora, todo mundo tem depressão.
A tristeza, o sentimento de luto, a angústia, a melancolia e a dor sempre estiveram presentes na vida de qualquer ser humano. Não digo que as coisas já não existissem apenas porque não compussem o CID, numa classificação e definição. Mas está na moda ter depressão, todo mundo tem, todo mundo entende, todo mundo se lava no Rivotril e já não se respira sem Risperidona no paraíso dos psicofármacos.
Meu pai diz que toma "meio lexotanzinho" para dormir - agora, que ele tem que encarar os dramas da existência sempre deixados sob o tapete - vejam a intimidade, o carinho e a tentativa de minimalização do fármaco. Bem dizia meu primo que adorava as mulheres tarja preta, porque sexo com as desequilibradas é um estardalhaço fantástico. O problema é que depois elas começam a ligar às duas da manhã, mas tarja preta tem seus efeitos colaterais...kkk!!!
No meu cinismo, fui brincar, dizendo que eu ouvia vozes. Ah, meus amigos se empolgaram, felizes, perguntando que tipo de vozes eram, o que elas diziam, o que queriam, quando aconteciam...
E eu respondi: "Tem umas vozes que me perseguem, uma coisa muito desagradável mesmo. Às vezes elas vêem quando estou no supermercado e dizem coisas assim: ' Senhor Carlos Eduardo, favor comparecer à gerência. Carlos Eduardo, favor comparecer à gerência' e também nos aeroportos, eu escuto essas vozes, me dizendo, 'Passageiros do vôo JJ3425 da TAM, favor se dirigir ao portão 3 para embarque imediato'...
E feito esse festival de cinismo, não sei como eles não me mataram!
Faço brincadeira, mas não faço pouco da cara de quem sofre. Mas é que o negócio está banalizado.
Poxa, qualquer coisinha e o povo reclama depressão!
Qualquer angustia aciona o dispositivo de ingerir uma drágea...haja Deus!
Não vejo, dentre os amigos, nenhum sofrimento fora do normal ou nenhum sofrimento que eu também já não tenha experimentado. Muitas vezes tive até piores...
Minha amiga estava indo para Paris nesta quarta-feira. Antes, havia sido assaltada perto de casa e chegando ao aeroporto, sua passagem havia sido cancelada - não se sabe por quem, nem quando, nem onde.
Para os espiritualmente impressionados, isso seria lido como coisas e trabalhos do mal a persegui-la.
Mas, então, ela ficou nervosa, chorou, se desesperou, maldisse da sorte, pensou em desistir, perdeu as estribeiras e agiu como qualquer pessoa normal agiria: após constatada a catástrofe, levantou-se do chão e do estado de desespero e foi em busca de resolver o problema.
Com ódio, com dor, com desespero, mas a vida da gente é da gente: suporte moral, apoio, solidariedade de amigos, tudo é válido e bem vindo. Parar, pensar, não saber o que fazer e viver desesperos, também é tremendamente humano. Mas a solução, a responsabilidade por nós, é nossa.
Não posso transferir minha existência para outrem, nem casando.
Quando me vi, há dois dias, amarrada a C., o que eu mais quis foi cortar meus pulsos - porque o sentimento mais recorrente para sair de uma situação de difícil solução ou para as aporias da vida é pensar em deixar de viver - mas eu nunca cortaria os meus pulsos. Jamais! Amor para mim é problema...e não há remédio.
E então, olha aí a minha amiga: passa por seus atrozes problemas, mas resolve.
E se não resolve, também não joga nos outros as responsabilidades por eles.
De vez em quando a vida fica uma droga mesmo...já tem bastante droga, não é? não é preciso nenhum remédio para ajudar a resolver o que é próprio da vida.
Viver é dose!
Quer um conselho? reze para Nossa Senhora dos Remédios... depois é só encarar a vida.

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