Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 16 de março de 2012

Assim falou... (Sônia Coutinho)


Não sei direito onde as coisas se encontram, ou onde se justapõem umas sobre as outras, mas sei que algumas coisas me levaram a pensar em Sônia Coutinho, tanto em Atire em Sofia quanto no livro de contos Uma certa felicidade.
Acho que a culpa é do dia de ontem: de novo, uma das minhas amigas da turma do "deixa disso" resolveu me ligar para dizer o quanto eu sou dura, intransigente, inflexível e o quanto eu levei longe demais o meu afastamento de uma ex-amiga.
Eu até tomaria a iniciativa do reatamento dos laços caso eu estivesse errada na perspectiva do evento que desencadeou o fim da nossa amizade; ou se fosse lá uma boa amizade, eu recolheria o meu orgulho, guardaria embaixo do tapete e reataria tudo. Um orgulho ferido é um preço baixo para uma amizade desejável. Mas não é o caso, eu não tenho interesse e eu já estava mesmo cansada de tudo.
Além disso, pouco me dou a sustentar as mentiras sociais necessárias ao prosseguimento da amizade: iria ser um troço falso da minha parte. Quebrou, não tem conserto que dê jeito... Então alguma coisa ali me lembrou as personagens de Sônia Coutinho.
Também ontem um garoto de programa escreveu para mim,oferecendo os serviços dele. Como ele obteve todos os meus e-mails? porque aliás, apenas os amigos íntimos têm os referidos e-mails, bem separados para assuntos acadêmicos e profissionais e para os assuntos aleatórios - inclusive para os chatíssimos e-mails de correntes inúteis e outras ameaças espirituais.
Mas, vejam só: o garoto de programa escreve como mulher. Tem repertório, tem argumento, acentua corretamente, tem coesão, tem tudo que geralmente os homens não têm ao escrever, porque homens economizam em palavras, em acentos, em gramática, e dizem que isso é objetividade.
Desconfio que ele seja criação de minhas amigas ou de algum ex-namorado querendo me pregar peças. Aliás, para corroborar a mentira, diz ele que só atende mulheres, o que é impossível neste ramo. Nem por isso deixei de achar engraçado e astucioso.
É sempre engraçado receber propostas de possíveis profissionais especializados do ramo erótico... Ou podem ser apenas as dores-de-cotovelo daquele que se julgava o máximo por ter sido o primeiro, mas que descobriu que ser o primeiro num sentido não é ser o melhor em outro e, pelo menos para mim, contam as experiências verdadeiramente significativas - o que não foi e não se aplicariaa ele, definitivamente.
Sofro toda vez que tenho que ser grossa para convencer o idiota que eu não tenho interesse por ele - quem me interessa está muito longe agora, por sinal -, que eu não quero nada, que eu não tenho saudades de nada e, assim, tenho que partir para as palavras mais ofensivas, isso quando eu já cansei do esconde-esconde, de mudar de caminho e de sumir do MSN para driblar as coincidências que ele providencia.
Da última vez em que ele cruzou o meu caminho, há dois dias, disse com todas as letras as coisas que eu realmente penso e sinto com relação ao Ex-Grande Amor da Minha Vida - esta, sim, uma experiência significativa, de valor emocional inconteste.
Diz a Sônia Coutinho:

"Foi ele que me ensinou a fazer amor. E isto era bom. E isto era verdadeiro. Nenhuma sensação iguala ao que se segue ao ato físico – o torpor, quase um nirvana. Relaxados, depois do orgasmo, nos olhávamos com gratidão pelo prazer que havíamos dado um ao outro. Alguns minutos depois, acendendo um cigarro, ele me fazia sempre o mesmo pedido: conta,conta toda nossa história outra vez.
Na penumbra, entre os cansados odores do amor, eu fechava os olhos e começava de novo a lembrar, como o mágico abre a sua caixinha e faz mil ofertas às crianças – água virando de verde em azul, os lenços coloridos que se multiplicam, tudo em atmosfera onírica de caleidoscópio."
(COUTINHO, Sônia. Uma certa felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, pp. 9-10 – trecho do conto Uma certa felicidade.)

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