Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 14 de março de 2012

Música, barulho e som



O ser humano é um animal barulhento. Para se comprovar isto, basta ver o quanto nos esforçamos para manter “um minuto de silêncio” quando requerido em momentos solenes e fúnebres. Mas, também é isso: o silêncio é fúnebre. Se passar da medida ele passa a não representar paz, mas “o silêncio frio das coisas mortas” como bem disse o poeta amigo meu.
Não imagino a vida sem música.
O humor determina o tipo de música que eu gosto de ouvir, mas às vezes ouço a música triste sem estar triste porque ela começa, então, a significar mais do que o ritmo que apresenta.
Gosto de sexo com música também. Deve ser uma esquisitice minha, mas talvez eu viva os meus romances como quem executa uma dança ou talvez eu não tenha que gastar meus dois neurônios procurando justificativas para minhas preferências.
Contudo, receber um amigo em casa e ligar a televisão é o cúmulo da desatenção – quebra-se o silêncio sem se preencher nada. É como se ali houvesse uma escapatória àquela presença crua. Por isso minha amiga e eu não entendemos a aflição de uma terceira amiga ao constatar que estávamos conversando com a televisão desligada.
Suponho que seja para preencher os momentos de silêncio.
Ouço de tudo que posso e nos dias de extremo bom humor, me demoro no banho, escolho o CD adequado e fico sob a água, cantando e aproveitando o momento.
Ouço músicas esquisitas, com letras nonsense,com escrachos, paródias, por isso quando as minhas visitas se delongam em minha casa começam a me dar aflições, porque elas nunca entenderiam porque estou ouvindo Raimundos, com aquelas letras carregadas de palavrões, ou porque gosto de ouvir tanta bobagem com ritmo alegre, com ironia e com um humor duvidoso.
É um negócio esquisito isso tudo, porque me dá a maior coceira mental estar num carro em que toca música sertaneja, ou um arrocha ou uma música brega bem brega mesmo. Mexe comigo e eu quero descer do carro e pedir pelo amor de Deus para parar o som. Imagino que o povo do axé deva sentir o mesmo ao estar em minha casa.
Das brigas que eu já tive, boa parte foi por desentendimento de repertório musical. E coisa que eu odeio é gente que no natal coloca música natalina no carro; no carnaval, coloca música carnavalesca, no São João, coloca música junina e assim segue com uma trilha sonora temática chata do cacete! Pior do que isso é ter que ouvir Chiclete com Banana – ah, meu Pai Celestial, como é que se ouve aquilo? E o pior é não poder declarar que não gosto, porque não dá para lutar contra ma unanimidade.
Algumas músicas instrumentais me deixam nervosa porque passam a sensação de velório. Tem até um CD não sei de quem que se chama Música calma para pessoas nervosas.Ah, deve ser do Ira!, que por sinal eu gosto. Não me acho nervosa, mas sou hiperativa, agitada, impaciente, meio afoita no sentido de resolver o que houver para resolver, fazer o que há para fazer – o que reflete muito na minha escrita acadêmica, principalmente.
Também gosto de silêncio.
Uma coisa eu me perturba em São Paulo – e mesmo quando durmo no apartamento de Ilmara, em Salvador – é o barulho urbano constante. Tem sempre um carro na rua, vários carros, várias freadas bruscas, várias sirenes, várias vozes...
Sei que as pessoas acabam incorporando os barulhos da cidade à rotina, à “normalidade” do dia-a-dia. Não consigo. As berrarias da fé da igreja que fica no fundo de minha casa me incomodam, sempre.
Nos dias de Micareta, sofro com o som dentro de minha casa, por isso opto por ficar na festa, mesmo sob chuva – ah, tá bom que o Barracão de Engenharia e o de Educação Física me prendem na folia, não vou ser hipócrita – mas o meu sono segue sendo sensível a quaisquer decibéis, até o som de uma formiga desmaiando me acorda...
Mas música é “barulhinho bom”, como diria Marisa Monte.
Enquanto escrevo a televisão está ligada no Canal Brasil, e está passando Clipe Brasil e, por incrível que pareça, passou o Djavan cantando Lambada de Serpente, na versão atualizada, de 2011, com arranjos incríveis.
Acho linda a música; “lambada de serpente/ a traição me enfeitiçou./Quem tem amor ausente/ já viveu a minha dor.”
E Djavan é lindo sem sequer chegar a ser bonito: como isso é interessante, parecendo antagônico sem ser.
Quantos de nós não consegue reconhecer a beleza dos bonitos porque eles não têm sensualidade, nem empatia, nem simpatia, nem coisa alguma além de uma beleza gráfica, simétrica, plástica.
Nem poupamos expressões para estes: sem sal; sem graça, ou como diria Helena Parente Cunha ( acho que é em As doze cores do vermelho) “Com cara de caixa de papelão”.
Sabemos muito bem o que é uma pessoa gostosa. E ainda mais o que é uma pessoa linda – é como se houvesse, de repente, gente para o deleite contemplativo dos olhos e gente para contemplar e degustar. As pessoas realmente bonitas, lindas, gostosas, elas têm sabor – e o sabor excede a própria carne, são gostosas de ver, de ouvir, de imaginar... Ah, sei lá mais o quê para expressar isso.
E antes que alguém que não conheça a música do Djavan pense errado e comece a achar que se trata de uma lambada à là Beto Barbosa, em que o dançarino se contorce como uma cobra, aproveito para advertir que não é nada disso, é uma linda música lenta...

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