Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Fernandes: Humor e Saudades


Vai ser muito difícil dizer que eu gostava do Millôr Fernandes quando, na verdade, eu continuarei eternamente gostando do Millôr Fernandes, presentificando na vida e no verbo este grande escritor que morreu hoje.
Vivo num país que ainda julga que o choro é nobre e o o riso é baixo. Em tempos difíceis, foi a catarse do riso quem nos sustentou de pé ante as vicissitudes. E o Millôr, que eu conheci quando peguei o livro Trinta anos de mim mesmo ( meu primeiro flerte para compor pesquisa de pós-graduação, logicamente desestimulada pela seriedade alegada pela academia)abria muito os olhos dos brasileiros frente as misérias do cotidianos, à Ditadura, à política em geral...
Eu quis muito ter este livro, mas não se vendia em lugar algum: eu peguei emprestado na biblioteca do quartel em que eu trabalhava quando eu era militar. E o fato é mais curioso ainda: alguém doou uma série de livros para o quartel.
Dentre os livros, estava tudo contra a Ditadura e um bando de livros marxistas; e os de humor, então, eram O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr, da editora Nórdica e o Trinta anos de mim mesmo. Tudo isso foi parar no quartel em que eu trabalhava.
Devolvi o livro que peguei, apesar de saber que ele seria mais útil a mim do que aos bolores, traças e fungos do almoxarifado do quartel, que se pretendia biblioteca.
Antes de devolver, escrevi um artigo que nunca publiquei sobre Trinta anos de mim mesmo - está ali na gaveta, não é mentira. Dividi esta paixão com Joaquim, meu amigo, que muito se divertiu com tudo.
O tempo passou.
Saí do quartel.
Joaquim me disse que existia um Ciquenta anos de mim mesmo, de Millôr Fernandes.
Não dei bola: eu gostava dos Trinta.
Um dia, há quatro anos, meu ex- Pitbull Problemático ( que, aliás, hoje me disse que voltaria à ativa para mordero calcanhar de J.P., por ter sido indelicado com um amigo nosso em comum, que ele tanto gosta, o Mr. John - trouxe-me o livro.
O Pitbull Problemático me deu o livro porque a biblioteca do quartel foi desativada e eles queriam " se livrar" dos livros.
Ele sabia de minha paixão pelo livro, aquele livro: ganhei o livro e uns tantos outros da década de 1940 e 1960, desde peças teatrais até outros livros de humor, como uns de Chico Anísio e títulos que eu nem sei enumerar. Melhor assim: meu país não sabe distinguir entre antiguidade e velharia, para a minha sorte!
Acho linda a primeira página: MILLÔR FERNANDES - Livre como um táxi.
Reproduzo abaixo as Frases Sem Dor, que estão neste mesmo livro:
"Um lar sem mulher é como um oásis sem deserto."
"Faça como nós,que jamais nos curvamos ante os poderosos. Nos ajoelhamos".
"Literatos populares são literatos impopulares entre os literatos".
"Pela maneira como certos sujeitos tocam de ouvido vê-se logo que eles são surdos de nascença".
"um banqueiro pode escrever falsa literatura. Mas vá um escritor falsificar um cheque."
E adoro, sobretudo, a Enciclopédia Britânica Brasileira quando se arvora a fazer biografias:
"Kant:
Nascido em 1724 e morto em 1804, Emmanuel Kant conseguiu nesse período viver 80 anos, tendo pois, aproveitado a vida. Aos 20 anos ele era muito jovem, aos 40 um quarentão, e assim por diante, e ficou famoso como exemplo de introspecção antes mesmo que Freud houvesse inventado esse processo de cada um de nós olhar para dentro de si mesmo..."

E o poema preferido de Joaquim, chamado Joãzinho o monstro:
Joãozinho de automóvel
Corre a 90 no cais.
Dona Marta ia passando.
Agora não passa mais.


E para finalizar, ainda do Trinta anos de mim mesmo, "Só sei que nada sei", poesia com auto-crítica:
Há os que não sabem antropologia
e os que ignoram trigonometria.
Mas só de mim ninguém pode falar nada.
Minha ignorância
não é
especializada.

Requiescat In Pace, mestre Millôr! que os anjos o recebam com os mesmos sorrisos que aqui você deixou.

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