Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 27 de março de 2012

A diferença dos iguais



Estou com a estranha sensação de que os livros que leio dizem a mesma coisa. Acho que é porque ao tratarem do mesmo tema recorrem às mesmas argumentações e fontes; por outro lado, eu comecei as coisas de cabeça para baixo. Assim, depois de ler a História do Riso e do Escárnio, de Georges Minois, tudo só parece repetição dele. E eu caí na besteira de me encher de livros sobre ironia e sobre humor, temendo bancas ranzinzas que só notam aquilo que deixou de ser lido e não o que aparece; assim como costumam fazer a respeito do que foi escrito. Parece ser mais importante aquilo que deixamos de lado, mas, enfim, estou de volta à tese.
Gostei de todos os livros que comprei, apesar de parecer que eles dizem a mesma coisa... Temia que eu fosse fazer a mesma coisa,isto é, uma repetição, embora num outro prisma. A sorte é que o meu objeto é outro e, excepcionalmente e graças ao meu orientador, minha tese é mesmo inédita.
Nem apostei nisso: achei eu faria uma discussão repetitiva, desde antes, quando eu estava focalizando as figurações da nacionalidade. Um orientador inteligente faz toda a diferença: ele dá nome às coisas que eu estou a inferir; ele guia mesmo o caminho... E quando eu proponho alguma coisa que ele reconhecidamente não domina, ele permite que eu ande sozinha, que eu tenha independência. Mas há coisas que eu não sei fazer: não tenho a sistemática que ele quer, ao me pedir um sumário de intenções de escrita. Juro: minha compulsão é mesmo e tautologicamente compulsiva. Deste modo, vou escrevendo. Aí as coisas vão aparecendo. Depois de um tempo eu me distancio e olho o que é aquilo. E a escrita toma forma, mostra suas margens e desdobramentos... E assim se faz capítulo e sub-capítulo.
Assunto, temas, eu sei sim, o que fazer e sigo o plano de vôo da pesquisa. Mas se eu não me deixar solta das amarras metodológicas, não crio nada, não escrevo nada.
Deixa eu colocar esse assunto de lado porque, na verdade, eu ando é assanhadinha porque passei a noite de ontem lendo os livros que dizem a mesma coisa e, depois, prazerosamente, voltei a Georges Minois.
Não tenho a cara de pau de dizer que já li todas as 633 páginas do livro dele – são 633 excetuando-se as referências e demais anexos – entretanto, vou fazê-lo logo, logo. Até porque ao consultar outras fontes constatei que ele é o melhor dos teóricos sobre o riso. Dizendo na melhor das linguagens: o cara é phoda! O livro dele é a bíblia do riso e do humor, abarca mesmo os temas e faz uma revisão que pega todos os bambambãs e passa a limpo os acertos, as falhas e os equívocos.
Então, seguindo adiante, pela primeira vez na História da República soube de algo surpreendente no que se refere à atitude de um psiquiatra: mais uma amiga que está em sofrimento psíquico resolveu ir atrás da solução que qualquer ser humano do nosso tempo procuraria: medicamentalizar o sofrimento.
Não falo de qualquer pessoa, mas de S., uma amiga que sabe muito bem o que é o bem-estar maléfico.
Lá foi ela, atrás da salvação dos problemas, conversar com o psiquiatra. Ele, todavia, pegou o receituário na frente dela e disse que não iria prescrever nada, que ela passasse seu luto emocional como as pessoas comuns, filhas de Deus, sempre passaram: enfrentando a experiência.
Ela fez cara de espanto, alegou que não dormia. Ele disse: “Eu posso passar qualquer remédio para você. Você vai dormir. Quando, porém, você acordar, os problemas estarão te esperando.”
Que surpreendente ética. Certamente ele perdeu as comissões das empresas farmacêuticas, mas ganhou muitos pontos conosco. Até mesmo com ela, que viu na atitude dele, apesar de inicialmente se sentir contrariada, um ato que transmitiu segurança na capacidade dela de resolver os próprios problemas. Olha, o cara é psiquiatra: cabe a ele aplicar fármacos como tratamentos. E ele declinou disso porque infelicidade e sofrimento é parte da vida e não se cura com remédio.
Minhas outras amigas já são dependentes, não tem jeito.
Já as acompanhei desde os primeiros tempos, quando as pupilas delas ficavam dilatadas e elas ficavam lentas, me fazendo duvidar que estivessem acordadas, apesar de estarem de pé. Quase todas foram parar nesse ponto por causa de algum vínculo quebrado em que havia dependência emocional, frustrações, lutos afetivos e sentimentos de menosprezo. Já tem tempo e nunca irão mudar, porque camuflam os efeitos colaterais dos processos existenciais que nem sempre é o que queríamos.
Nunca vão se curar porque anestesiam os sintomas, mas não atingem as causas. E os problemas emocionais não podem ser delegados a terceiros: ou a gente enfrenta, ou eles estarão ali, à espreita, aguardando uma brecha para detonar crises. Seja como for, louvo este psiquiatra ético e humano que não se deixou devorar pela moda da prescrição indiscriminada de psicoativos, em tempos de crescente rivotrilização da vida.

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