Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 30 de março de 2012

Em cena: carros, pneus e homens...


Gastei a tarde desta sexta-feira pesquisando preços de pneus,andando aqui e ali, quase sem acreditar nos preços absurdos que encontrava pelo caminho. Mais uma vez, a constatação: realmente, a loja especializada vende bem mais caro que os supermercados. Isso vale para itens de informática, também: as lojas especializadas triplicam os preços. Por causa disso é frequente a gente receber aqueles e-mails terroristas acusando os supermercados de vender pneus fora da validade ou à beira de expirar este prazo: mentira de primeira. E tanto é assim que os pneus marcam a semana e o ano (e não o mês e o ano de fabricação) e eu peguei justamente uns feitos na 4ª e na 8ª semanas deste ano,a um preço menor que o anteriormente encontrado nas lojas. Mas não estou aqui para falar de pneus, mas de indignação. Eis os fatos:
Na quarta loja a que fui, pedi para o meu primo ir lá ver a quanto estava. Logo que íamos estacionar o carro, vi uma moça chorando na porta daquela grande loja.
Era um choro silencioso e perplexo.
Ela estava grávida e na loja só haviam homens.
Deduzi que ela foi procurar o sujeito lá na loja e ouviu algum despropósito.
Mulheres grávidas são sempre traídas, o que só vem a piorar no período do resguardo. Então, este é mais um clássico nos relacionamentos.
Não fiquei olhando para ela. Na verdade me identifiquei com aquela dor e não olhei por isso: odeio ter que dar explicações sobre o meu choro.
Entendo os gestos de solidariedade, o desejo de ajudar, mas quem chora não está a fim de dar explicações.
Eu me identifiquei porque pensei no dia em que, saindo de Aracaju, eu quis ficar em paz em minha poltrona e me desmanchar em lágrimas - lágrimas de ódio e de amor contrariado - e aí me apareceu uma conhecida que eu nunca soube de onde me conheceu e eu tive que engolir as emoções e cozinhar meu choro até finalmente estar sozinha em casa, cinco horas depois.
Pensei em nem ir até à moça.
Mas também pensei em todas as vezes em que eu quis fazer o bem a alguém, mas desisti porque não era da minha conta, porque eu poderia ser mal interpretada e porque a omissão tem os seus confortos e todos os confortos nunca me valeram.
Fiz o possível para desviar o olhar e dei graças a Deus por estar com meu primo. Sendo ele homem, nunca iria perceber que aquilo era choro e sofrimento. Meu primo é o homem-rímel: desaparece ao menor sinal de lágrimas.
Ela virou o rosto para o nada e começou a tirar a aliança que eu não havia notado antes.
Então, saí do carro, abri a bolsa e dei um lenço a ela, trocando duas palavras educadas de boa-tarde.
Lá dentro os homens começaram a prestar atenção a isso e eu só queria imaginar qual deles era o cafajeste-monstro responsável pela tristeza de uma moça jovem, grávida e fragilizada.
Ela agradeceu e foi embora.
Sempre imagino as histórias dos outros.
Sempre imagino as dores das mulheres e me solidarizo.
Pensei em Odete Semedo: "A água da lágrima da tua mágoa".
Pensei em nós outras, as que se fecharam por dentro e fogem ao menor sinal de paixão: sabemos que os homens que se sabem amados usam cada mulher como enfeite do ego, adorno de vaidade. Preferimos o desapego, o vazio das coisas ou o esvaziamento do que poderia ser grandioso.
Há homens que não permitem ser amados.São maioria.
Os dois caminhos são terríveis: sofrem as que amam demais - passar por humilhações, então é mais um clássico efeito colateral; e sofrem as que não amam (não sonham, são hirtas e secas, fogem do amor e da dor e não acreditam que esses dois estados se dissociem).
Não há caminhos do meio. Caminho do meio é invenção literária das mais nonsenses de que se pode ter notícias...
Não podemos internamente reagir como homens porque não somos homens e nossas estruturas são diferentes, mas podemos revidar e comprazer com a vingança.
Para mim, vingança é sinônimo de Justiça: bateu, levou.
Podemos relevar alguma coisa a nosso critério, mas no julgamento mais apurado, convém devolver o agravamento na altura da ofensa.
Antes de dormir assisti "À prova de morte",(Death Proof), de Quentin Tarantino.
Sim, que catarse boa: a vingança estava lá, no final do filme.
As três moças se juntam, invertem a perseguição - importunando seu perseguidor - e quando já não há mais estrada que dê conta daquilo (é uma perseguição de carro em que antes ele aterroriza as moças, bate o carro aparentemente indestrutível dele contra o delas; faz e acontece para que elas morram), elas quebram as costelas dele, batem, batem, batem, batem múltiplas vezes nele, vitoriosas.
Bateu, levou!
Vingança é coisa estratégica: pode ser consolidada no desprezo ao outro, no ignorar, no superar, no estar bem... E se vingança é mesmo um prato que se come frio, eu não sei. Porém, sei que vingança é coisa que merece reflexão e a busca por oportunidades de ser executada.
Se eu fosse aquela moça, minha vingança seria lenta, mas começaria pelo distanciamento emocional e culminaria numa separação de fato e na reorganização da minha vida, de modo a após um tempo, eu ter fortaleza e independência o suficiente para que o cafajeste percebesse que não é mais importante, não é amado...
E então,estar bem, ter outros relacionamentos e tratar com distância aquele ser humano, plantando a semente da culpa - porque, afinal,é preciso que haja a parte pedagógica de fazê-lo aprender com os erros cometidos.
Mas isso tudo é ficção, é coisa hipotética. Ele pode mandar umas flores, procurar ser carinhoso e tudo se resolve... Ou não.

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