Louquética

Incontinência verbal

sábado, 10 de março de 2012

Faz parte do show...


Acabou de acontecer: eu estava voltando da padaria quando uma das minhas vizinhas me interceptou, atravessando a rua para vir ao meu encontro antes que eu me distanciasse.
Pensei que ela fosse tratar de coisas de gatos e de cachorros, já que este assunto nos une e cuidamos juntas dos bichos abandonados que as pessoas deixam perto ou diretamente na casa da gente. E como ela é auxiliar de enfermagem e tem irmão veterinário, acaba sendo comum combinar os dias de vacinar todos os nossos bichos ou fazer alguma ação preventiva ou até sentenciar a quarentena dos gatos para evitar que os psicopatas os envenenem.
Nada disso.
Ela apenas me disse:
“- Mara, já estou com vergonha de estar aqui na rua há mais de uma hora. Posso ir para a sua casa dar um tempo? É que estou esperando uma visita indesejada sair da minha casa.”
E assim foi que, como numa comédia mal ensaiada, coloquei-me à esquerda da vizinha, de modo que se alguém espreitasse da casa dela, pelo ângulo traçado, não a veria.
Ela entrou em minha casa ainda se queixando da visita.
Anteviu que a visita demorasse infinitamente, porque o propósito era encontrá-la, coisa que muito a aborreceria.
Sentiu-se envergonhada e confessou que eram parentes dela: os piores parentes do mundo.
Duvidei: este título já pertence à minha família – família, quadrilha, tanto faz o que a coincidência genética uniu, certamente por um gracejo de muito mau gosto.
Demos plantão.
Subi na árvore para ver se o carro saía da casa dela – e os afazeres, sempre lembrados por ela, à mercê da visita maligna.
O tempo passou.
Ela subiu na árvore uma, duas, três vezes e finalmente, como preso que apela ao carcereiro e como preso que comemora a liberdade, ela saiu atrás de mim, pedindo para eu abrir o portão: tinha uma alegria besta de criança de Jardim da Infância em dia de aniversário.
Pensei que se as coisas fossem às claras talvez aquilo tudo fosse resolvido. Mas imagino que a sinceridade custe caro e que todo mundo quer ser amado: antes se queixam a terceiros, fazem maus comentários entre amigos em comum, mas não se propõem a dizer claramente ao outro que não gostam dele, ou que não gostam de seus gestos ou atitudes.
Algumas vezes essa manobra é inútil: comentários sempre vazam e ao sabermos que o que poderia ter sido dito a nós foi dito por trás de nós, em fofocas, extinguimos o afeto, o apreço ou o respeito plea pessoa nefasta que procedeu mal contr anós. É assim que as amizades se perdem. Pelo menos de minha parte, tive a sorte de saber quando isso aconteceu comigo - soube da pior forma, mas a tempo de deixar de fazer papel de otária,achando que aquela lá era minha amiga.
Se noto que alguém parece realizar um sacrifício para me dar bom-dia, se me cumprimentar é um dissabor ou se não respondem aos meus e-mails ou cumprimentos, encerro o assunto: nunca mais na vida eu falo com tal pessoa. Pelo menos não tomo a iniciativa de fazê-lo, exceto, claro por força de ocasiões sociais, porque eu nunca deixaria uma mão à espera de um aperto. Coisa que eu acho feia e indigna é isso de não retribuir a um cumprimento.
Dizia a minha finada avó: “Quem tem vergonha não faz vergonha”. E eu aprendi a não deixar ninguém constrangido por coisas desse tipo – mas fazer cara de paisagem e ignorar, desde que a pessoa antipatize comigo, ah, é uma constante.
Acho engraçado viver como Cazuza: “Digo alô a um inimigo/ encontro um abrigo no peito do meu traidor... faz parte do meu show”... A vida social é um espetáculo, mas não é todo dia que a gente representa bem.
Olha, falando na mesma música, lembrei de “Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou...”. Então a gente coloca os outros na geladeira, no “vamos dar um tempo”, que é a ante-sala do término e se isso não for representar e se não for, também, um atestado de cansaço, eu não sei então o que é.
O ser humano é mesmo intolerante: cansa do outro. E os outros cansam de nós, também... Cada um que se toque.
E como uma coisa leva à outra, pois é, tem gente que nem percebe que não precisa formalizar o término para constatar que as coisas chegaram ao fim... Termina-se de fato antes de se terminar de direito e mesmo assim algumas almas iludidas não se tocam do que está ocorrendo: uma negligência aqui, um desdém ali, um pouco caso a seguir e a sempre-e-eterna cara-de-pau para dizer que não tem nada demais acontecendo e blábláblá repetitions e um sempre-e-eterno otário à espera do tempo...

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