Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 19 de março de 2012

"Tente entender tudo mais sobre o sexo!"


Ontem Guarajuba estava anormal.
Não faltou o sol, nem o ambiente bonito, tranqüilo e organizado de sempre, mas o mar estava com uma maré alta perturbadora e não houve negociação entre os meus interesses e os da natureza: o fato é que eu fui apenas duas vezes à água, em curtíssimas durações, com mergulhos tímidos e um desconforto absurdo diante do mais forte – e o mais forte, neste caso, eram as ondas.
Não entendo direito porque a gente pensa diferente de acordo com o ambiente.
Nunca me convenceu essa história de “sair para espairecer”, porque a mente da gente é a mesma, onde quer que a gente a leve; e a tristeza; e todos os movimentos afetivos que regem a nossa vida. Mas ontem eu vi que não, que na praia se pensa diferente, talvez com tranqüilidade, talvez seja por causa do confronto silencioso com a grandeza do mar – grande, lindo, tenebroso e, neste tocante, que se seja relembrado o meu pavor de águas profundas e a minha incapacidade de desejar passear em cruzeiros e similares.
Não fui à praia para pensar na vida. Aliás, penso na vida nos momentos mais inoportunos: antes de dormir, por exemplo. A depender, isso costuma me tirar o sono.
Também ao acordar, planejo mentalmente o meu dia e, quando nas segundas-feiras, planejo a semana inteira e adoro ter isso como pretexto para ficar enrolando na cama, enrolando para levantar, adiando o acordar propriamente dito. Amo o meu sono. Mexa com tudo meu, mas não mexa com o meu sono – até porque, nunca pude evitar xingar mentalmente qualquer um que me acorde.
Senti falta de uma determinada amiga minha na praia. Parei para pensar no que ela insinuou sobre o marido dela, me fazendo entender que ele reservava o melhor sexo e as maiores possibilidades de prazer para a amante dele.
E quem não é assim? Seja homem ou seja mulher, os amantes existem para possibilitar viver o que não é possível na relação “oficial”. Melhoram, inclusive, a relação oficial porque a culpa fica numa extremidade e a excitação pelo segredo mantido e o perigo constante ficam na outra, equilibrando a balança duvidosa dos cálculos morais.
Gosto da minha amiga demais, mas ela está negociando o inegociável, já que morre de ciúmes e entra em disputa com a amante. E a amante, coitada, se pensava namorada e, como todas as amantes, sonhava em galgar o posto de esposa, sair da clandestinidade – descuidando que, uma vez esposa, trocaria de lugar, mas não de situação (sempre haverá outra amante) e, claro, os homens nunca se separam, mesmo que se ocupem em maldizer do casamento, do sexo esporádico com a esposa, dos filhos que o prendem e de outras historinhas clássicas que nem a mais imbecil das amantes pode acreditar (mas acreditam por conveniência).
Minha amiga está murcha há um tempo, com cara de que morreu e esqueceu-se de enterrar. Um cadáver ambulante, emocionalmente em decomposição: eis a minha amiga. Mas mulher entra na disputa, não larga o osso, espera passar, espera tudo mudar, espera promessas radiosas do marido e se contenta com a calmaria imediata ao flagrante. Depois tudo volta ao normal.
Falávamos dessas coisas antes de ela casar e pensávamos de forma semelhante: os desejos não cabem num casamento. Logo, sempre haverá traição, se é que o nome cabe, pois ou se trai uma pessoa ou se trai os próprios desejos.
Isso é no pano racional das coisas. Emocionalmente o bicho pega.
Ela caiu no labirinto do “ “o que é que ela tem que eu não tenho”. A resposta é clássica: nada. Não se mede qualidades e vantagens das amantes, mas o poder inovador da diferença, a mão embelezadora da diferença... E aí eu me lembrei de um fragmento de um poema que eu suponho ter sido do T.S. Elliot ( e se não for, é que minha memória é curta e confusa, mas que se registre minha intenção de reconhecer a paternidade do verso) em que se diz que "o atual só é atual por um tempo". Traduzindo: tudo sofre a ação do tempo. Não demora até que o tempo torne as coisas passado – para o Bem e para o Mal. Somos seres de tempo e do tempo e não estamos acima dele. Também amantes se tornam tédio. E maridos. O caso é que mulher é educada para sublimar os desejos.
O maior e o melhor tempero do sexo é o desejo. Talvez por isso seja conveniente não ceder, porque sexo com desejo sempre ultrapassa as fronteiras da carne – sendo carne, é físico e é etéreo. Mas, deixo essa conversa por aqui, porque sei que ela vai ler e me ligar para conversar e eu vou aproveitar para dizer das coisas e dos homens da praia, ontem – e ela vai lembrar que é um ser desejante, também. E para que ela "tente entender tudo mais sobre o sexo", fica a Pérola Negra do Luiz Melodia - um dos melhores shows a que já fomos juntas - e solteiras.

Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou de amando
Baby, te amo, nem sei se te amo

Tente usar a roupa que eu estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva num pano
Pérola Negra, te amo, te amo

Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor mostre teu novo canto
Escreva num quadro em palavras gigantes
Pérola Negra, te amo, te amo

Tente entender tudo mais sobre o sexo
Peça meu livro querendo eu te empresto
Se inteire da coisa sem haver engano

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