Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 19 de março de 2012

O cachorro e o lobo: travessias de Antônio


" Eis-me de regresso a essa terra de filósofos e loucos, a começar pelo meu pai, que disso tudo tem um pouco.
E se aqui estou é por causa dele mesmo. Ou melhor, dos seus oitenta anos. Foi uma festa de arromba, me disseram. No dia seguinte!
Um presente de grego, pensei, sem saber se ria ou chorava. Sim, só fiquei sabendo quando tudo já havia acabado e todos já estavam pegando o caminho de volta. E aí uma boa alma deu por falta de uma rês que fazia muito se desgarrara do rebanho. E fez o que seu coração mandava e suas pernas ainda podiam agüentar: correu. Como se algum filósofo lhe tivesse soprado ao pé do ouvido que não é a fé que remove montanhas, mas o complexo de culpa."
(TORRES, Antônio. O cachorro e o lobo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 07)

Minha paixão por Antônio é caso velho e mal-resolvido.
Não por mim, que o amo declarada e assumidamente, mas pela madrasta má que nos separou: minha ex-orientadora que me fez me desfazer de tão prazerosa companhia. Mas eu não largo Antônio Torres, não. No meu possível, cá está ele em meu caminho. E eu pus dois de seus livros na pauta da minha disciplina a ser ministrada na Especialização.
No coração, em primeiro lugar está Essa Terra; depois, O cachorro e o lobo e, após este, Meu querido canibal. Meus três preferidos – mas a obra é vasta e o autor é versátil.
Reclamo muito de O cachorro e o lobo: dura pouco, dura o tempo da visita que o “cachorro” faz ao “lobo”, seu pai – e isso não deve ser contado por número de páginas, mas pelo fluxo temporal que o narrador imprime. Com isso, as 207 páginas nem chegam a ser cinqüenta, subjetivamente sentidas.
Antônio Torres é um dos raros escritores que alcançaram reconhecimento e guardaram a modéstia, a empatia com o público, uma certa gratidão, talvez, porque o homem é muito receptivo, educado, simples – ah, ele é uma paixão mesmo!
Essa Terra é um romance mais dolorido, assim eu acho. Li com a dor dos personagens, porque os inegáveis traços autobiográficos e a astúcia do autor conferem um efeito de verdade que dói na gente. Amo essa ficção perigosa, enganosa, que convence o leitor “da dor que deveras sente”, ainda mais porque o espaço narrativo é familiar ou é familiarizado, melhor dizendo. E eu, que nunca andei no Junco (atual Sátiro Dias) leio com a maior verdade, também – e eis uma coisa em que eu acredito: um leitor que põe verdade na maneira como lê, revoluciona sua leitura, traz verdade à ficção ou acrescenta à ficção.
Para quem não gosta deve ser tão chato quanto me parecem os contos de Guimarães Rosa: nada com nada, ou como diria ele, nonada.

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