Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Além da ceia


Passei o natal com a cara no forno, até que aos poucos chegaram meus colaboradores de cozinha, Márcia e Héber. Eles também me deram um golpe neste ano: trouxeram para cá um vinho Casal García e um chileno Carta Vieja, propondo instalar um clube do vinho por aqui, mas que eu sei que é mentira pura, é para ver se pela curiosidade eu experimentaria algum e com menos de 10 ml bebidos, daria uma crise de choro e riso simultâneos, como eles já testemunharam há anos atrás.
A intolerância ao álcool faz desses ridículos: qualquer quantia enche o sangue de álcool e se ousarmos passar de mera meia taça, a dor de cabeça, o enjôo e a ânsia podem nos levar a uma pequena estada no hospital.
“Enquanto seu lobo não vem”, assistimos ao filme A mulher do lado, com Gerárd Depardieu: poxa, não assistimos filmes impunemente, sempre nos envolvemos, pensamos e os debatemos – e dizendo isso, digo implicitamente que tenho um certo medo social dessas coisas, porque soa tão arrogante que a gente fique discutindo teorias, produtos culturais, coisas existenciais, quando estamos juntos atrás de diversão. É que essas coisas nos divertem, sim, mas temos em mente que o conceito social da diversão é desprovido de discussões, é para limpar a mente, é como fazem os que bebem cerveja para aliviar o peso do dia de trabalho... Aí quando a gente está juntos, fica assim, falando bobagens, mas discutindo coisas sérias.
Para mim, o caso do filme é que nenhum dos dois personagens centrais tinha coragem ou firmeza de decisão.
O filme conta a história de um casal que, na juventude, houvera sido namorado. Oito anos depois, ocorre a coincidência de a moça ir morar na casa ao lado desse ex-namorado e a surpresa não é bem recebida por ele.
Pouco tempo depois, como ambos são casados, começam a ressuscitar o antigo caso. Ele se torna ciumento e um dia dá um escândalo público que põe a limpo o envolvimento deles...
Em meio a um histórico de desequilíbrios, ela, Matilde, fica internada. O marido dela convence o amante a ir visitá-la periodicamente, em nome da sua recuperação.
Quando ela deixa o hospital, eles se mudam da casa ao lado. O final trágico é que ela atrai o amante à casa de que se mudou, o mata e se suicida.
O tempo todo eles se desejaram e se amaram. Contudo, não tiveram coragem para apostar na relação, nem para romper os laços matrimoniais com as outras pessoas que eram seus cônjuges. Neste ponto é que os meus amigos disseram: já vi esse filme. Ora, vemos esse filme todo dia, na vida real.
Não nego que odeio todas as protagonistas que matam seus amantes. Odeio. Acho um absurdo essa covardia de matar as pessoas que não são como nós queríamos que fossem ou que achamos que não nos correspondem como merecemos. Gosto muito do Vanilla Sky. Mas me intriga muito que a moça interpretada por Cameron Días cause o acidente que deveria matar a ela e ao protagonista, Tom Cruiser.
Amor de mulher é amor neurótico, possessivo e desequilibrado. Mas condenar à morte quem não corresponde às idealizações afetivas é monstruoso. Acho que ninguém tem a tecla que faça converter em amor o que não é amor ou o que é atração física.
As neuroses do amor são bem femininas mesmo, porque também as mulheres amam mais e amam demais. Mas um homem apaixonado é mais histérico que uma mãe judia, se desequilibra, fica obsessivo... Amor, realmente, é dramático e quase sempre o drama é só uma face da tragédia.
Eu havia assistido também a um filme japonês chamado Time: o amor contra a passagem do tempo.
Em mais uma pérola da neurose amorosa, a protagonista é escandalosamente ciumenta e insegura. Num dado momento ela supõe que o namorado enjoou da cara dela, chega a pedir que ele pense em outra durante o sexo e fica infeliz por ver que ele tomou a sério a ideia de imaginar aquela outra mulher em vez de si. Resolve, então, ir a uma clínica de cirurgia plástica para mudar de rosto e conquistar o mesmo rapaz, de modo a manter a paixão dele.
Ela some por seis meses – tempo da recuperação da cirurgia – e ele enlouquece enquanto isso.
Ao reaparecer, ela diz ser outra pessoa, sente ciúmes de si mesma, porque percebe que ele não a esqueceu, isto é, não esqueceu quem ela era antes da cirurgia. E quando finalmente ele descobre que ela é a mesma outrora desaparecida, é ele quem busca mudar de rosto e deixá-la louca. Dito e feito. E o final, claramente trágico, é que ele é atropelado ao correr dela, ao tentar fugir.
Os seres humanos adoram complicar o que é simples, está na cara. A ficção não perdoa e pega emprestado nossos piores papéis na vida real.
Também tenho uma amiga assim, aliás, uma em particular no tocante às cirurgia, mas nós todos somos um pouco assim, apenas variando no ciúme: entende-se que os homens se entediam rapidamente.
Você pinta o cabelo, você corta o cabelo, ele não nota. Não nota porque se familiarizou com sua fisionomia... Às vezes olha para as feias quando está em sua frente. E o problema é apenas isso: a busca por novidade.
O mesmo drama atinge a mais linda das mulheres e a menos provida de beleza. O desejo dos homens tem certas instabilidades: dormir ao lado da mulher mais linda do planeta, todos os dias, cansa.
Acredito no que eu já disse aqui quarenta vezes: tudo piora se a mulher faz o tipo desleixado. Está difícil ser sexy com uma touca na cabeça (aquela que já foi uma meia-calça) e uma camiseta de campanha de vereador. Perder o glamour é terrível: favor trancar a porta do banheiro antes de usá-lo para qualquer coisa – exceto em caso de banhos compartilhados.
Beth, minha amiga linda – olha, parece a Isabelle Adjani – está no velho conflito: namorado legal com sexo ruim. Que pena, viu? Por isso é que se cai nas mãos dos cafajestes, que são sexualmente habilidosos.
Interessante que dizem que “quando a esmola é demais, o santo desconfia”: quem viu Beth sozinha tanto tempo certamente pensou que era porque, sendo tão bonita, ela é fútil, interesseira ou problemática. Quem pensou errou: conversamos muito sobre isso ontem, porque há mil, dentre nossas amigas, na mesma situação. São bonitas, interessante, independentes e sozinhas porque não há boas opções e é melhor estar só a pensar que se está acompanhado quando, na verdade, a suposta companhia não soma nada à nossa vida.
O natal da gente teve, assim, uma boa dose de nostalgia, de gargalhadas, de vida dos outros para criticar, de piadas novas e situações velhas, de nossos defeitos e de exageros... Duas da manhã a maioria se foi, o vinho também, a conversa continuou, os pratos ficaram e eu acordei mega tarde, sem disposição nem para almoçar. “A vida não é filme, você não entendeu...”

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