Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Através da janela


Tem gente pensa que é escritor; tem que gente que pensa que é poeta; tem gente que pensa que é cineasta e tem gente que até pensa que pensa – o que pode ser o meu caso. E este preâmbulo é para dizer que perdi o meu tempo para assistir Através da janela, por gostar da Laura Cardoso. Mais um filme a decepcionar: todo óbvio. E meu problema com filmes óbvios é que começo a duvidar que aquilo vá dar exatamente no que obviamente daria. E o óbvio se confirma, sem a menor graça.
Quando trouxe à baila o escritor, o poeta e o cineasta foi não apenas pela capacidade criativa que se espera daqueles que fazem jus a cada uma dessas funções, como também porque ao atacar os livros de auto-ajuda (que, como se sabe, só ajudam ao autor da obra), dizemos que tais livros trazem respostas prontas e que a Literatura do L maiúsculo traz inquietações, angústias e possibilidades que não se fecham numa só resposta, numa só opção interpretativa. Esse troço a gente diz para seduzir alunos. No fundo, a literatura metida a besta de que eu gosto também dá respostas. E das boas.
Quando não há respostas e a gente se deslumbra com a “obra aberta”, há o indício. Será que Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Será que a heroína do romance “xis” encontrou o mocinho após aquele final narrado? O que terá acontecido à personagem “Y”? enfim...
Dos casos literários de Machado de Assis eu já falei aqui em outras oportunidades, deixando claro o quanto é deslumbrante a capacidade de sedução dos narradores, de modo a nos convencer de seus pontos de vistas como se fossem verdade.
O narrador de Dom Casmurro quer nos convencer que Capitu traiu Bentinho tanto quanto o Nogueira de A missa do galo quer nos mostrar que ele estava inocente e confuso sobre aquele clima erótico diante de Dona Conceição... esses são narradores excepcionais que me seduzem tanto quanto a simplicidade da voz poética de Mário de Quintana nos versos que se fazem repetir ao longo de minha vida: “Todos esses que aí estão/atravancancando meu caminho,/ eles passarão,/eu passarinho”. E nem precisou rimar prisma com crisma, nem “romã com travesseiro”: quem pode, pode; quem é, é: não adianta escola nem as artificialidades técnicas que se vende nas esquinas.
Quanto à suspensão, essa não resposta, ela é para quem pode. É preciso saber escrever e saber narrar para chegar ao fim de um livro e não dar respostas.
Em Ninguém escreve ao coronel, Gabriel García Márquez deixa a gente com uma acidez horrorosa na boca, porque não dá respostas. Apenas mostra a decepção do coronel e o livro acaba com a resposta desta personagem à indagação da esposa sobre “o que vamos comer amanhã” e ele diz “merda!”.
Desses transtornos de fechar respostas sobre uma correspondência que vem ou não, uma descoberta a fazer, expectativas que o livro não mostra se foram cumpridas ou não, essas coisas aí tem que ter “cuñones” para fazer. Aí vem uma leva de imitadores de terceira categoria que querem colocar as respostas em suspenso sem saber criar suspense e o fim do filme torna-se, então, a réplica da última palavra dita pelo coronel lá do García Márquez.
Ora, faça o favor: mais uma vez o desperdício do talento de uma atriz de bagagem... Colocar uma atriz de bagagem para fazer um filme que é uma mala sem alça é o cúmulo da ironia e do trocadilho de péssimo gosto. Essa janela em nada lembra a Janela indiscreta de Hitchcock - no máximo, se aproxima das janelas do Windows mesmo. Eu fecharia as minhas.

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