Louquética

Incontinência verbal

domingo, 4 de dezembro de 2011

À procura


Quando em 2006 eu defendi minha dissertação de mestrado e falei sobre a solidão e a poesia, o mundo era completamente outro, porque em cinco anos a humanidade dá saltos imprevisíveis, especialmente no nível tecnológico. Mas eu não sabia que as coisas viriam a ser como estão sendo, apesar de tanta rede social, apesar de tanta webcam e de tanto sexo virtual, apesar de tantas salas de bate-papo e de tanta gente junta sem estar próxima. Nossa solidão é assombrosa.
Parece, também, que as pessoas estão percebendo que filho não cura a solidão.
Parece, ainda, que a "solidão a dois", de que falava Cazuza, apesar de resistir, já é bem transparente.
Todo mundo quer "a sorte de um amor tranquilo", apesar das comunidades orkutianas que pregam "Solteiro sim, sozinho nunca".
Vi, uma vez, uma mulher dar chiliques no ônibus que nos levava a Xique-Xique, porque estava passando o filme Avassaladoras e, devido ao horário de reclusão dos passageiros, o motorista suspendeu o DVD antes do final.
Avassaladoras é um filme que impregna gerações de mulheres, mesmo sendo recente: estão ali todas as mulheres do meu tempo e de outros tempos que, por seu turno, vieram a perdurar neste tempo atual. Estão ali todas elas, por isso há um fascínio de reconhecimento, uma percepção autobiográfica, como se o filme fosse feito para elas, para cada uma de nós.
Minha amiga que passou a residir na Ilha de Lesbos comprou o filme. Minha amiga viveu o filme: se cadastrou numa agência de encontros que, tudo bem, não se chamava Honeymoon, mas cumpria a função; tentou de tudo e acabou mesmo achando a sua "Marília Gabriela".
Ontem eu não acompanhei as meninas: foram todas a Salvador dar uma força a A., que tinha se cadastrado numa agência de encontros de lá e tinha um encontro marcado. Todas estavam desesperadas, especialmente a parte interessada.
Já não apresentamos os amigos em comum; as pessoas não têm iniciativa na vida real; os encontros não dão em nada, não passam de formalidades e agora há a mercantilização da solidão.
Sou sozinha. Quem não é? Querer o companheirismo é mais do que querer companhia. Querer cumplicidade é mais do que querer um namorado... o resto é esse vazio besta que faz a gente ser descartável e tratar os outros como descartáveis, nessa efemeridade que deixa todo mundo na mesma.
Gostava quando os meus amigos faziam suas armações para apresentar um ao outro; uma ao outro, enfim...isso era bem mais natural...
Já fizeram um perfil para mim, certa vez, porque eu não conseguia superar o Ex-grande Amor da Minha Vida, porque eu não tinha olhos para ninguém...e eu dei foi risada dos tipos que me mandaram e-mails, uns caras que não tinham nada a ver...
Acho que quem tem grana, tempo e interesse, que vá à agência, que durma no bar, ora...mas o problema é o desespero de causa, é pegar qualquer coisa para dizer a si mesma que tem companhia...depois de um tempo o saldo moral é terrível e a insatisfação é total.
Fiquei em casa ontem e fui assistir Carne trêmula, de Almodóvar. Fiquei pensando, dessa vez, não nas frases de conteúdo político, mas naquela em que o personagem nos diz:
"...Deus criou a noite, para que os apaixonados năo pudessem dormir.
Criou a água...
para que caísse continuamente do teto dos mercados.
E criou os peixes, năo para encher os mares com eles...
mas para eu tirá-los do caminhăo antes do amanhecer."

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