Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Para Pensar Direito


Há pouco o Jornal Globo News estava discutindo o direito dos animais. Melhor dizendo, a ausência de formulações de direito para os animais, em que apenas há referências contra abusos e maus tratos contra eles e cujas penas são leves e quase sempre negligenciadas.
O especialista em Direito, então, argumentou que o Direito é antropocêntrico. Assim sendo, os animais são considerados como coisas ou objetos. Deste modo, se um vizinho maltrata nosso animal de estimação, no âmbito da Justiça, o crime é posto como sendo contra nós e não contra o bicho. Por conta disso, crimes desta natureza são tidos como de “ordem menor”.
Ninguém está a salvo de analogias, por mais incoerentes e aparentemente anacrônicas que possam parecer. Fiz as minhas: Pensei em Caetano Veloso cantando aqueles versos de O estrangeiro: “O macho, adulto, branco, sempre no comando”.
Esse negócio de um Direito antropocêntrico é deveras interessante. Usamos termos como “O homem” para nos referir à Humanidade, reconhecendo um gênero dominante. Na minha redundância de ter o antropocêntrico literalmente entendido como o homem enquanto referência e centro, constatei o óbvio, ou seja, nem todo homem é reconhecido como homem, humanamente falando. A humanidade é para poucos e é hierárquica.
O homem pobre é menos humano que o homem rico, pelo menos na sociedade e para o Direito. Por isso ficamos ainda perplexos diante da impunidade dos ricos criminosos.
Uma mulher, numa sociedade machista e patriarcal é menos gente do que o pior dos homens. Com uma humanidade maior, o Direito dos homens é também maior do que o das mulheres.
Um homem negro é menos gente do que uma mulher branca e rica assim como um homossexual é menos gente do que um homem negro. Não sou eu que digo isso, somos nós que constatamos, que deduzimos ante às práticas recorrentes. Acredito na realidade não declarada do Direito, porque é o que a vida mostra.
Em meu país criam-se leis para proteger os direitos desses que são chamados minorias e onde eu me incluo. Mas há um outro lado da sociedade que acha um absurdo criar leis para isso e que preconiza um país democrático e igualitário. Eu, ironicamente, só tenho a lamentar a perda de tempo dos magistrados que ficam criando leis para coisas que não existem, como discriminação, violência contra mulheres, homossexuais, crianças, idosos ou contra preconceitos de gênero, classe, cor e etnia.
A criação de leis para tais pessoas que socialmente são menos gente do que o Humano-padrão não é concessão: é fruto de luta, é bilhete de negociação para conter revoltas.
Infeliz de quem ignora o passado: também por analogia não deveríamos esquecer-nos da experiência escrava do povo negro em nosso país e pelo mundo afora. Também deles retiraram a alma para considerá-los coisas; também sua humanidade foi ignorada, para tratá-los como peças e coisas. Mas é bom lembrar do passado para conhecê-lo e lutar contra a permanência deletéria de suas práticas perversas: fomos escravos. Fomos. Não são poucos os que têm saudades da escravidão, que relembram o passado para inferiorizar os negros e não para procurar saldar a dívida moral de anos de exploração e de práticas desumanas. Diz-se, ainda, nas palavras dos conservadores, que negro não é gente; que índio não é gente... E a cada vez que somos testemunhas dessas declarações voltamos à questão da centralidade do que é ser gente, do que é ser humano, do que é ser homem e o que a antropocentralidade do Direito significa.
É problemático estar no “Brasil: um país de todos” e acreditar nisso. É mais problemático ainda acreditar na “Bahia: terra de todos nós”, numa igualdade forjada que desafia o teor do “todos”. Não é muito diferente daquele que crê que Sergipe é “a capital da qualidade de vida no país”: muitos lemas, muitas bandeiras, muitas “cidades maravilhosas cheias de encanto mil” e outras garoas perigosamente igualitárias nas suas igualdades para poucos.

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