Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Script de Natal


Não apenas choveu como também está fazendo frio por aqui: mais contradições deste verão que começou às duas da manhã de ontem... Já adverti meus companheiros de réveillon que o 31 de dezembro certamente vai zombar da escova do meu cabelo e a água vai descer num réveillon chuvoso. E chuva, basta aparecer que não acaba mais.
Eu estava falando com o meu amigo Léo, ontem. Indaguei a vida profissional dele, questionando se ele já estava levando trabalhos para casa e já começava a reclamar do salário. Ele confirmou e eu disse: “Rito de passagem feito com sucesso. Parabéns, você já um professor!”. E lá ficou ele, tratando das chateações e das burocracias dos sistemas informatizados de lançamento de notas e de preenchimentos de caderneta.
Bem vindo ao clube, Léo!
A namorada dele está na Europa, porque os pais dela moram lá... e ele só pensa em ir embora também, porque nunca se ajustou a Salvador, ao contrário do que acontece à maioria dos paulistas. Engraçado que exatamente há um ano, eu fui encontrá-lo lá na Avenida Paulista, conversar, discutir coisas e depois perambular pela 25 de março e pela Rua São Pedro, porque ele é o único heterossexual que eu conheço que não faz birra e beicinho para reclamar de acompanhar as compras de cosméticos de uma mulher. Pelo contrário, ele comprou gel para o cabelo, me perguntou coisas e ainda comprou um jeans onde eu costumava ir comprar vestidos, numa das tantas boas Out-lets que ficam ali no Centro de São Paulo.
E um ano depois tudo mudou: ele defendeu a dissertação, desmanchou o namoro que eu julgava inabalável e irremediável e agora vive “a sorte de um amor tranqüilo” e aquela alma toda inquieta para ir para longe.
Temos essas duas diferenças marcantes: eu preciso e gosto de ficar sozinha e amo a minha casa, fato que me prende aqui. Ele tem pavor de ficar só, acha que é um duro aprendizado em que ele sempre será reprovado e acha que o mundo é pequeno para tudo quanto ele ainda quer caminhar.
No resto somos bem par/pares: do louvor aos Beatles às insistentes angústias da existência; do gosto pela Filosofia e pela Literatura; dos amigos loucos à observações sobre os olhos turvos dos turistas; dos filmes aos atores; das cores aos sonhos...somos muito, muito parecidos. E ontem também um traço nosso voltou a ser discutido: ele reclamou da casa dos trinta anos, dos 31 anos que ele tem, de se sentir velhos e não se encaixar em outro time etário, tendo saudades dos amigos lisos e malucos de antes. Eu começo a me despedir da casa dos trinta e tal como ele, me sentir muito jovem para estar velha e me sentir muito velha para estar jovem. Coisas que nos tornam anacrônicos – já falei, as pessoas prolongam a adolescência. Está aí Supla, na casa dos cinqüenta anos e ainda na primeira infância; Billy Idol também pode ser adolescente na casa dos sessenta e Mick Jaggar, um fóssil, ainda é o fodão do pop rock e come as modelos brasileiras fazendo sexo inadvertidamente como nem todo adolescente burro de 16 anos faria.
Há um problema sério com o tempo em nosso tempo. Mas estou sem tempo para isso agora, porque se você não vai ao natal, ele vem até você: aí inventaram de aparecer aqui amanhã e o jantar tem que ser temperado desde hoje; e eu comprei um queijo caro por causa disso e um série de sementes que me devoraram as finanças e, no fundo, me sinto lisonjeada por meus amigos saberem que eu cozinho bem. Sei que eles vem aqui porque se sentem sozinhos e porque julgam que talvez eu esteja só num dia em que não é bom estar só. Acho que depois eles vão lavar os pratos para mim, rir do meu tio, ir lá fora brincar no balanço, dar pausa para falar dos desesperos de cada um e depois ver o Telecine. Depois todo mundo some, por causa do réveillon, porque cada um vai para um lado.
Queria que minha amiga louca viesse. Queria muito: ela faz a festa. Acho que guardo um pouco de revolta contra a rivotrilização da vida por isso, porque sinto falta dela. Mas depois da comodidade de se obter alegria através de um comprido e de se fazer uma fuga segura dos sintomas, quem vai se esforçar para atingir a causa? Aí ela preguiçosamente se ampara nos comprimidos.
Talvez a minha noite feliz seja ver Héber sonolento no sofá, com um dos meus gatos puxando os cabelos dele e outro mordendo o pé – está aí um menino que sabe fazer chá e sopas! – depois olho a cara sonolenta dele, os cabelos desgrenhados e uma indisposição doida para voltar para casa (a casa dele fica a quatro quarteirões da minha) e ele acaba dormindo no sofá mesmo. Ao contrário de Márcia, que faz visitas cronometradas e de Ninno, que já chega com sono. Antes de tudo isso e das piadinhas maldosas reciprocamente distribuídas, riremos juntos das berrarias da fé cujo barulho invadirá nossas conversas: toda esta semana tem culto na igreja evangélica que fica no fundo de minha casa. Aleluia!

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