Louquética

Incontinência verbal

sábado, 17 de dezembro de 2011

Inveja: o olho do mal


A igualdade é um ideal. E como qualquer ideal, tende a não passar do plano das idéias. Como discurso dos nossos pais, a igualdade tem uma função pedagógica e ideológica de contenção dos conflitos e um dia, quando alguns de nós amadurece, descobre, finalmente, que nenhum pai e nenhuma mãe ama aos filhos com igualdade. Isso seria impossível, porque todo mundo tem as suas preferências e os seus preferidos.
Tive que dizer à minha amiga, após mais uma sessão de discussão da admitida inveja que ela sente da irmã, que a culpa de tudo era da mãe dela, que realmente amava mais àquela irmã tão invejada. Amor explícito.
Inveja é um troço complicado. Piora quando a pessoa não admite e não percebe que os comparativos feitos são inveja pura.
Minha amiga acha que a irmã é a preferida dos pais, que a irmã é mais bonita, que a irmã teve mais sorte que ela, que todas as portas se abriram sempre para a irmã dela... Coisas que se arrastam desde a infância.
Estabelecida a disputa pelo amor dos pais e pelo amor dos homens, minha amiga se esforçou para ser a mais bem formada, a mais bem sucedida profissionalmente, aquela de quem se pode orgulhar... Não deu certo. E creio que não deu certo porque a outra é a mais feliz, a outra tem tudo que ela não tem e a outra não está nem aí para a inveja.
Não se conquista amor de pai e mãe com notas altas na escola; nem com bom comportamento; nem com sucesso e conduta exemplar: amor não se explica assim racional e calculadamente. Eles amam um mais que os outros e ponto final. E quando a gente se torna pai e mãe volta a reproduzir a cadeia infinita das injustiças sentimentais.
Mas os pais, claro, gostam dela. A mãe sempre gostou dela, apenas ela não é, não foi e nunca será a preferida.
Quando em psicanálise somos induzidos a matar o pai e mãe no simbólico, é para a gente se libertar desse cordão umbilical invisível, essa dependência emocional, essa disputa cansativa que se trava ao longo da vida, querendo ser o preferido. É preciso mudar de objeto, encerrar capítulos. Mas a minha amiga anda em círculos.
Inveja é um troço perigoso mesmo: quantos crimes não foram motivados por ela? Quantas pessoas não odeiam a gente por termos o que elas não têm? Quantas pessoas invejosas não plantam as sementes da discórdia no nosso ambiente de trabalho? Quem nunca se deparou com maldades inexplicáveis, aparentemente gratuitas que depois se revelaram embebidas pela inveja? Quantas vezes duvidamos do olho grosso que nos circunda porque julgamos não termos nada que possa causar inveja em alguém, mas depois descobrimos que há inveja de tudo nessa vida? Por falar nisso, ontem certa pessoa declarou com todas as letras que sentia inveja da minha saúde... onde já se viu isso?
A irmã do meu amigo acabou de ser demitida do emprego. Indagando as razões para isso, o empregador disse não ter motivos para aquela demissão, sem justa causa, mas horas depois se soube que foi um pedido pessoal de uma colega de trabalho que era parente do empregador e se sentiu incomodada com os atributos profissionais da moça. Onde eu estudo houve caso semelhante: uma professora decana e assentada em seu posto de trabalho forçou a exoneração de uma professora substituta porque a moça trouxe visões e interpretações inovadoras sobre a matéria que ambas lecionavam e isso implicava numa ameaça ao status quo, ao estabelecimento das coisas. Traduzindo: todos são casos de inveja.
O invejoso acha que o outro está com algo que lhe pertence.
O invejoso deseja para si aquilo que é do outro e que nunca poderá ser dele... O mundo está entupido de Talentosos Ripleys.
Minha amiga Cléo desmanchou o namoro com o cara que ela amava por causa do boato de um invejoso: ele fez Cléo acreditar que o sujeito a havia traído e alimentou a fogueira da discórdia de tal modo que nenhum argumento do namorado dela conseguiu se fazer crível.
Meses depois o invejoso admitiu que nada daquilo jamais existiu e que ele se incomodou com a felicidade do casal, querendo abrir condições para que fosse ele a namorar Cléo. A esta altura nada mais poderia ser feito e o amor foi destruído pela obra da inveja alheia e gratuita.
Recentemente vi algo assim num filme e quando desmascarado o invejoso, o casal separado já havia constituído outras relações. Ao perguntar ao invejoso porque ele mentiu para separá-los, ele respondeu: “Menti porque eu podia fazer aquilo. Eu podia e queria. E fiz.”
Nunca duvide da ficção!
Várias civilizações têm seus mitos constituídos que alertam para a inveja. Há amuletos, há orações, há plantas para defender a gente da inveja e essa temerosidade não é à toa: a inveja é o olho do mal secando as pimenteiras da prosperidade da gente, do amor da gente, da vida da gente, da saúde da gente... Fique sempre de olho no olho gordo!

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