Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Por trás do espírito natalino


O espírito natalino que se instala nas cidades, pelo menos para mim, passa uma visão infernal: engarrafamento, ruas cheias, lojas cheias, supermercados cheios, bancos cheios e eu mais cheia ainda das filas que acompanham qualquer dessas coisas.
Atônita, vejo perus anabolizados nos freezers dos supermercados: lembra muito as pessoas que freqüentam a mesma academia que eu, daí porque já comparei alguns a avestruzes. Mas agora são os perus que parecem avestruzes, com pesos absurdos que os levam a custar noventa e tantos reais ou mais. Não comeria nunca uma ave dessas. Não comeria nunca uma coisa qualquer que me parecesse anabolizada – nem mesmo um homem. Credo!No fundo acredito que aquela artificialidade toda de tamanho possa gerar algumas desproporções absurdas.
Temos estes preconceitos. Sei que vocês imaginam a qual desproporção eu me referia, mas aquela outra é muita comum de ser arrolada pelos nossos preconceitos: a sentença de que a capacidade intelectual é inversamente proporcional ao desenvolvimento dos músculos, ou seja, achamos que provavelmente grandes corpos ocultam pequenos cérebros. Preconceito é preconceito e todo mundo tem algum.
Vi na UFBA, nesta segunda-feira, o cartaz do espetáculo de teatro Baianidade Baiana. Pela redundância do título, já dá para imaginar que é uma comédia que gira em torno dos estereótipos negativos dos baianos e coisas afins. O Cabaré da RRRRRRRRraça também explora os estereótipos, mas focaliza os estereótipos sobre os negros e não há estereótipo negativo que não seja primo-irmão de um preconceito.
Também assisti, recentemente, ao filme Jardim das Folhas Sagradas. Achei o conteúdo didático, no tocante à desmistificação dos estereótipos contra negros candomblecistas. Ali, devolve-se na mesma moeda a perseguição religiosa que os crentes evangélicos praticam contra os adeptos das religiões de matrizes africanas. O filme não descarta, entretanto, a introjeção dos preconceitos pelos próprios sujeitos que são vítimas deles: nosso problema cultural é assim algo que perpassa a psicologia. De tão repetidos certos atos e valores, vamos nos acostumando a eles, incorporando, traduzindo, praticando e transformando a repetição em naturalização.
Em relação aos preconceitos de gênero, gosto muito do filme Mulheres Perfeitas: elas são maquinalmente perfeitas, reificadas, impecáveis em sua função de objeto. Até que depois descobrimos que são literalmente máquinas, mas que o macho alfa que ali está no controle – e isso é muito marcante -, ao perder também literalmente a cabeça, mostra-se um robô. Mas a cabeça daquele homem foi projetada por uma mulher. A mulher, então, reproduz, incorpora e reproduz os valores machistas.
Numa acepção mais próxima, isso é o mesmo que observar o quanto uma mãe pode desejar para o filho uma mulher de bem. Como cantou Luiz Melodia: ”Uma moça sem mancadas/uma mulher não pode vacilar...”.
A mulher que a mãe quer para o filho é moralmente impecável, é virgem, é pura e subserviente. Todas as que desviarem desse ideal, não servem para ele. Imagino, entretanto, que para a filha dela, essa mesma mãe não vá querer um marido virgem, nem puro, nem subserviente – afinal, que coisa feia é m homem obediente e submisso, não é? Por essas e outras o natal em que os seres humanos de minha família se aproximam sempre acaba em divergência, porque eu puxo a toalha da mesa desde que me entendo por gente... mas, desconsiderem essas conversas loucas... É que o natal me enlouquece um pouco mais.
Excedendo o meu blábláblá pessoal, eu nem gosto nem desgosto do natal. Não viajo nos protestos de quem acertadamente reconhece o aspecto comercial da data e seu vínculo com o capital. Sei disso e não estou nem aí. Não aumento meu consumo nem mais nem menos, nada se altera para mim a não ser a decoração de minha casa, os votos de felicidade que faço aos meus amigos, a culinária peculiar que me deixa mais perto das sementes que eu adoro: adoro mix de castanhas do Pará, amêndoas,nozes e castanha. Poxa, adoro comer isso e adoro aquela “doçaria” natalina toda.
Na verdade, o pior do natal vem depois do natal, nas reportagens de sempre, que tratam das trocas dos artigos com que se foi presenteado e com as mesmíssimas receitas para aproveitar o que sobrou da ceia. Aí fica só um pouco de letargia para esperar o Ano Novo. Depois, tudo passa e as contas vêm.

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