Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Estava escrito!


É preciso ter carro blindado e um serviço de segurança para atingir os totens sem risco de represálias. Mas, e daí que a gente cutuca os intocáveis? Com Literatura, todo mundo sabe: atacar o cânone é ser condenado à fogueira. Mas o que se há de fazer se os gênios também falham? E o cara pode ser gênio para o crítico literário e não ser para o público em geral e vice-versa.
Entendo que há, também, encruzilhadas morais. Eis ao que atribuo o final enrolado que Tolstói dá a Ana Karênina.
Eu já perguntei a especialistas, a amigos, a gente do meu entorno por que é mesmo que ela se suicida na trama de ficção e todo mundo me dá respostas clássicas. Não é esse o problema: o problema é que a narrativa tem um ritmo e quando o narrador começa a querer dar forma ao destino da Anna, anda em círculos, perde o gás, perde o ritmo, não sustenta o que quer fazer e dá o final mais sem graça que alguém pode esperar.
Já estamos acostumadas à condenação das protagonistas que transgridem as leis e as expectativas morais: Momentos em que a ficção perde a liberdade e tem que trazer o exemplo. Está certo... mas em Ana Karênina, digam o que quiserem dizer, o final trágico não é bem articulado. Parece que o próprio narrador fica segurando as coisas com uma indecisão absurda...
Os problemas vividos por Ana são os mesmo desde as primeiras páginas do livro. O destino dela não convence e o destino de Vronski muito menos – uma simples menção superficial do que lhe acontece após a morte de Ana, indo ele aderir e compor um exército, sem pormenores, sem ligações com nada. Para quem julga um livro pelo seu final, com certeza verá a dívida do escritor com seu público.
Adorei quando li a história há uns dois anos, porque eu não esperava happy end, embora eu goste de finais felizes. Mas, sinto muito, povo chique e culto, o final do livro é muito superficial e insuficiente...
Mais interessante é o outro bom engodo que sofremos deliberadamente com Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Este livro aí eu não sei como se tornou canônico. A história é boa, mas é bastante óbvia, tudo óbvio, previsível e delicioso.
Embora eu já não lembre dos romances de banca de revista que eu lia do acervo de minha tia, aqueles volumes de Júlia, Bárbara e Sabrina, (não me lembro de outros títulos, mas estes existiam) seguiam a mesma velha receita da Austen.
Engraçado como o óbvio pode ser agradável e interessante: gostei de ler. Li muito recentemente, por sinal. Parei tudo e fui ler as 308 páginas do romance. Adorei o final feliz, o conto de fadas, todo o temperamento de Elizabeth e imaginei o Sr. Darcy bem de acordo com o meu ideal de homem: alto, elegante, com olhos castanhos claríssimos, lindo, lindo, lindo. E li como se eu tivesse 15 anos... Foi ótimo, porque eu estava precisando de fantasia e torci muito pelos finais felizes das personagens. Não me frustrei em nada, porque também tudo foi óbvio... Esperei, claro, por uns suspenses, por umas contrariedades... que não vieram.
O que eu deduzo dessas leituras literárias é que cada leitor cria expectativas. O que nos prende à trama é a expectativa. Se o escritor for sagaz e criativo, ele saberá confirmar umas expectativas e frustrar adequadamente outras, de modo a manter a boa tensão. Mas, então, vi, li e gostei da água com açúcar que adoçou minha mente cansada de tanta realidade desgastante. Agora, só me falta ir à praia.

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