Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Os inimigos dos meus amigos


Não é todo dia que você está a fim de discutir os grandes temas da humanidade, ou a fim de destilar seus deslumbramentos teóricos, arrotar seus títulos e trocar idéias sobre A crítica da razão pura. Em meu caso, então, que nunca li este livro...
Já li outros, claro, e estou é ironizando porque assisto bastante bestificada à construção das personas intelectualis, aqueles que nunca se permitem brincar, que têm que estar vigilantes para serem levados a sério, para provar que sabem, para não serem tratados de qualquer forma, para parecerem acima do bem e do mal e, claro, super-mega-maxi-plus inteligentes.
Sigo dizendo que competência e inteligência, sem a devida oportunidade, não prestam para nada.
Quem de nós não conhece os medíocres que têm o sobrenome certo, puxam o saco da pessoa certa, negociam favores sexuais ou fazem trocas de favores em geral e se dão bem? em alguns casos a gente também assiste ao grande monstro a se criar, aqueles que desde cedo cavam suas oportunidades - vá, agora, aonde sua sagacidade lhe levar. Eu fico por aqui!
Também outro ponto que não tem nada a ver com o anterior, mas que chama minha atenção é que noto uma certa impaciência nos homens quando as mulheres estão em reunião, conversando, e eles se comportam com ciúmes ou coisa parecida.
Nosso cotidiando é tão bestinha, tão comum, com dores comuns, com coisas comuns...então o que nos tornam sobre-comuns, o que particulariza a gente é o nosso modo próprio de ver e de viver as nossas banalidades.
Das minhas últimas conversas com as meninas, no maior papo-calcinha, a gente estava vendo o quanto certos grupos de amigos se tornam verdadeiras corporações, confrarias e ordenamentos. Também neste rol estão as atitudes de condenar ao ostracismo os desafetos.
Vamos lá: inimigo é inimigo. Eu me aliaria a um inimigo por uma causa comum, tipo: se trabalhando no mesmo lugar, tivermos que cumprir certa tarefa, farei tudo numa boa.
Ah, não gosto de ser injusta com os meus inimigos e isso é, para mim, uma questão de respeito. Se a pessoa é competente, deve ser reconhecida como tal, ainda que eu deteste meu inimgo, não posso distorcer a figura dele - aí já seria mau caratismo meu.
Mas nos deixou intrigadas o fato de que se X fica de mal de Z, a parte do alfabeto que é amiga de X é convocada a hostilizar Z, independentemente disso fazer sentido.
Somos tendentes a tomar o partido dos nossos amigos. Isso é mais que óbvio. Mas, se a experiência de X com Z é uma, totalmente diferente da minha, se não tenho motivos para ficar de mal com o Inimigo do meu Amigo, como posso agir em favor dos interesses alheios a mim? e das brigas alheias a mim?
Situações há em que a gravidade dos motivos da ruptura nas relações é algo mais universal e, assim, tudo bem, há pelo menos um pretexto, um argumento racional para ficar de mal das pessoas.
Usei esse "ficar de mal", tão infantil, porque acho que é uma maneira infantil você cortar relações sem oferecer chances de defesa, de diálogo ou de esclarecimentos sobre o fim da amizade.
A outra parte fica fazendo conjecturas e a pessoa que cortou os laços às vezes nem tem certeza, nem indícios da veracidade de suas impressões ou das versões que a ela chegaram. Eu, pelo menos, não costumo confundir e acho ridículo hostilizar os inimigos dos amigos, principalmente quando o motivo real das hostilidades são disputas amorosas, rivalidades políticas ou antipatias recíprocas.
Tem gente de que a gente pega mesmo uma aversão, uma antipatia, mas daí a construir narrativas e comentários que não têm nada a ver a não ser meus maus sentimentos em relação à outra pessoa, Deus me livre! Acho um golpe baixo.
Homens, sim, são confrarias: nem mesmo cortando os laços de amizade eles derramam o segredos uns dos outros.
Mulher, se de sua confidente passou a ser sua inimiga, se prepara porque seus segredos estarão nas manchetes de jornal no dia seguinte, você será execrado (a) e hostilizado (a) imediatamente. Prepare-se para o pior: a cerimônia da vingança, as ameaças de que se H convidar Z para quela festa, X, não vai comparecer.
Não divido mesas com meus inimigos, exceto, claro, se num contexto todo forçado e artificializado por coisas de grupo, trabalho, tarefas e afins; e pouco me interessa a vida particular de meu inimigo - que se dane! ou que se glorifique, sei lá, tanto faz, não vivo em função deles.
Indo a Gilberto Gil e ao slogan da ONG SOS Racism, remonto a Touche pas à mon pote, não para dizer apenas que deixem meu amigo em paz, mas principalmente, minha querida gente ignorante, respeite o seu inimigo!
E olhem bem até onde o comportamento desleal para com o seu inimigo, ou aqueles que julgamos inimigos, em geral, levou a humanidade (no caso, os fundadores desta ONG que inspira Gilberto Gil, são os imigrantes que sofrem discriminação no territótio francês).
Pense as coisas em proporções maiores - e olha que sou eu, uma pessoa vingativa e de ódios assumidos quem está afirmando o dever de respeito com os inimigos.
Gilberto Gil - Touche pas à mon pote

Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire peut être
Que l’Être qui habite chez lui
C’est le même qui habite chez toi

Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire que l’Être
Qui a fait Jean-Paul Sartre penser
Fait jouer Yannik Noah

Touche pas à mon pote

Il faut pas oublier que la France
A déjà eu la chance
De s’imposer sur la terre
Par la guerre
Les temps passés ont passé
Maintenant nous venons ici
Chercher les bras d’une mère
Bonne mère

Touche pas à mon pote

Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire peut être
Que l’Être qui habite chez lui
C’est le même qui habite chez toi

Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire que l’être
Qui a fait Jean-Paul Sartre penser
Fait jouer Yannik Noah

Il fait chanter Charles Aznavour
Il fait filmer Jean-Luc Goddard
Il fait jolie Brigitte Bardot
Il fait petit le plus grand Français
Et fait plus grand le petit Chinois

Numa tradução aproximada:
Deixe meu amigo em paz (ou, "não toque no meu companheiro")
Você sabe o que isso quer dizer?
Quer dizer que talvez
O Ser que existe dentro dele
Seja o mesmo Ser que existe dentro de você

E estes primeiros versos da música são o bastante para que a gente note que por mais que a gente odeie ao nosso inimgo, ele é tão humano quanto nós e nós somos matérias de um mesmo barro, odiando, muitas vezes, aqueles nos quais se escondem defeitos semelhantes aos nossos.
Nada muda para mim: "Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a Justiça". E se a justiça não vier, estaremos envidando esforços em construir nossa vingança, nossa justa e limpa vingança.

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