Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Clube dos cafajestes


Não sei se os cafajestes sabem ser bons poetas ou se os bons poetas são mesmo cafajestes, mas já tenho a minha teoria referendada pela prática.
Eu, que passei um tempo gastando esses meus dois neurônios e arrancando os meus cabelos afro-descendentes para entender Fernando Pessoa e seus versos mais repetidos (claro, depois de "tudo vale a pena se a alma não é pequena", que está em tudo quanto é canto, aplicado a mil coisas sem a menor relação entre si): "O poeta é um fingidor...".
Naquele tempo eu gastava tempo para entender a vivência imaginativa a que ele se referia, perdia tempo para entender o fictício e suas verdades de uma outra natureza, como cabe à verdade ficcional.
Blablablás literários à parte, os poetas sempre me enrolaram.
Lembro de quando eu era menina e o meu tio ficava parodiando uma música de Roberto Carlos que tinha a ver com a menina e o poeta, e o meu tio cantava: "Com a história do poeta, a menina se campou" - era, na verdade, "na história do poeta, a menina acreditou". Eu já deveria saber que um poeta é só história,pura persona, e por trás das articulações dos versos está um cafajeste em potencial.
Pior, dentre todos os poetas, são aqueles que são consagrados, ainda que localmente. Ah, esses vão atirar seus papinhos de sensibilidade, de afetos, de amores, de imagens. Mas, a sensibilidade do poeta está na glande, certamente, e não no coração, como querem nos fazer acreditar.
Minha amiga está lá, no Rio vermelho,no aconchego geriátrico de um poeta cafajeste, a que ela, diante do fetiche do nome do mestre, como diria Pierre Bourdier, se deixou cativar.
E poeta velho, minhas irmãs, é raça atirada: se lança, inventa pretexto, te põe no colo e não demora muito e consegue lhe convencer de que você deve um favor por ele estar ao seu lado (ou do seu lado de dentro, do seu lado de trás, de qualquer ladinho, enfim!)
Mas , o cafajeste de hoje é outro. Homenageio o cafajeste poeta, aliás, o poeta cafajeste de fina armadura: elegante, discreto, homem de uma mulher só e amante de um amor cortês/cortesão e idealizado. Este é bonito e jovem - e burro, burro como uma porta (com maçanetas de arrogância), mas bastante conhecido,poderoso, imponente...
Em nossas raras conversas,raras porque afinal, ele é bem melhor do que a maioria dos seres humanos, como bem cabe aos poetas - se pensam profetas, um escolhido, uma antena do mundo, os mais perceptivoa, os mais sábios, o mais MAIS como pretendem quase todos os poetas - ele falava do seu amor por Ismália, que, no caso, não se chama Ismália coisa nenhuma, roubei a musa de outro poeta.
Esse amores de outdoor, faixas, cartões e muitas flores entregues em público, ou seja, amor ostensivo, nos causam suspeitas, parecem construções de mídia pessoal. Pelo menos para mim.
Mas é: aparentemente eles tinham um amor parecido com os meus mais íntimos amores, a saber, aquele amor de tango argentino, de desesperos, suicídios imaginários e dores existenciais melodramáticas, exceto pelo fato de que eu não costumo colocar meus desesperos como produto de auto-promoção, mas já considero esta hipótese no momento.
Ele me falava da sua fidelidade por ela, da escolha, da vida e blablablá...
Por este tempo, apesar dos discursos dele, conheci a boca do poeta. Ninguém nunca soube disso. Ninguém é ninguém mesmo: nem melhor amiga, nem parente, nem diário.
Eu nunca soube porque ele me beijou - isso ali, há tantos anos atrás, mas eu deveria ter desconfiado que havia um descompasso entre o discurso dele e a ação.
Beijo bom, beijo de escultura de Rodin, com mãos na cintura e surpresa e tudo mais que um comercial qualquer possa ter.
Mas, sonhei alguns dias mais com o beijo e com o amasso, porque o primeiro foi mais importante que o segundo.
Poeta cafajeste, se é que o termo não é uma redundância, sabe fazer a gente sonhar. Sonhei um bocado.
Estava eu num lugar super-mega-máxi-plus distante, uns meses depois, e dei de cara com ele - eu e um bocado de gente que nunca soube dessa história. Ele mal me cumprimentou, mas em poucas brechas do discurso tangenciado, vi que ele esperava que eu ameaçasse cometer suicídio e bater panelas no prédio ou na casa dele para implorar que ele ficasse comigo.
Poeta é bichinho convencido, hein?
De meu lado, desconfio que ele estava procurando um pretextinho para detonar uma crise no relacionamento dele, a fim de obter umas férias da namorada obsessivo-compulsiva que ele tinha na época (e com a qual ele continua até hoje, para a minha surpresa!).
O tempo passou, ele ficou ainda mais famosinho, articulado, se achando e, infelizmente, continuou lindo ( e burro!).
Fomos nos encontrando nos eventos, nos lugares, em reuniões de amigos em que a gente mal passou do "boa-noite'. E depois ele nem falava mais comigo e eu pouco tirava meu traseiro do lugar para me mexer na direção dele e lhe mandar algum aceno.
Inventei de ir à pool-party de umas amigas nem tão amigas assim, num desses dias de sol e, como se tratava de festinha de piscina, fui a caráter, fiz o que tinha que fazer e, na volta, como era perto do shopping e eu estava sem grana, pensei que poderia ir lá, pegar um dinheiro e tomar um café gelado. Estou falando destas férias, deste tempo, tipo, um pouco mais que anteontem!
Lá vou eu. Eu já havia visto o sujeito,o sensível cafajeste, mas resolvi que se ele não falava comigo e se ele era mesmo insignificante para mim, que se danasse e fosse para a "**taqueopariu",aquele lugarzinho especialmente reservado aos meus inimigos.
Só falei da pool-party porque minha saia era condizente com o ambiente e vi que os olhos deles ficaram bem felizes ao reencontrar minhas pernas. Esclareço ainda, ainda, que ele jamais esteve entre elas!
Agora vejam a situação: olha aí onde realmente fica a sensibilidade do poeta!talvez que tivesse saudades de minhas coxas ou expressasse com os instintos as coisas que nunca estiveram no coração, mas...
Eu estava esperando meu café e ele estava esperando que eu passasse por onde inevitavelmente eu falaria com ele. Comigo, eu só pensando "Não me venha falar na malícia de toda mulher", porque nós, mulheres, somos espertas o suficiente para lançar estratégias que nos favoreçam.
E enquanto Seu Lobo não vinha, inventei de olhar para um lugar distante e vi minha velha paixão de Antropologia, meu coleguinha mais gato que deveria, não fosse eu àquela época idiota e fiel, me aquecer nos frios horrorosos da Chapada Diamantina.
Os oito minutos do meu café gelado foram uma eternidade, especialmente, uma eternidade de perguntas retóricas que eu fazia a mim mesma, especialmente no tocante à miseria do estatuto da fidelidade.
Ah, que porcaria!Por que inventaram um troço tão difícil, meu Deus!Coisa mais difícil de cumprir - como é que eu falo para os meus desejos que não está certo olhar para o coleguinha tesudo de Antropologia, pensando mil pornografias instantâneas e que o poeta que ali está, de olho nas minhas coxas, me atrai e "atrai os meus instintos mais sacanas"? e eu, se não tivesse o superego que tenho, ah, eu daria um jeitinho.
O café chegou, inventei uma outra rota que na verdade era a mesma: apenas dei o meu jeito de me meter numa multidão de corredor, de modo a que eu não pudesse cumprimentar, nem receber cumprimentos - velha cara de paisagem, conforme eu aprendi muito bem na escola de Thales.
Há um tempo atrás, um bom cafajeste "desvirginava mocinhas inocentes/e dizia que era crente, mas não sabia rezar" e era interessante olhar as máscaras que eles usavam.
Hoje, claro, tem aqueles que vão fingir que querem coisas sérias, fazer pose de homem másculo, adulto, responsável, com papo-família, mas a maioria já entrega o serviço na primeiraa mordida e nas entrelinhas dizem o que o meu primo, cafajeste-mor, diz: "Eu sempre estive a fim/ e você sabe disso,/eu só quero te comer,/não quero compromisso", o que não tem graça nenhuma na vida real, num momento em que boa parte das mulheres estão à procura de relacionamento sério.
Tella, Conceição, Cléo e eu até temos nossas palavras-chaves, porque se o cara falar em ir para a casa da gente, citar o carro e o emprego de cada uma de nós, está na cara que é cilada...aí é hora de ir ao banheiro e despistar do sujeito.
Mas os bons cafajestes sabem fazer a gente sonhar. Entretanto, eu realmente não conheci piores cafajestes do que os poetas.
Fiquei mesmo supresa por ver a carnalidade do meu querido poeta se manifestar - poxa, para quem louva o sublime, a amada, a mulher inatingível, a sacrossanta pessoa feminina, ficar assim, meio que vulnerável à coisa profana, foi meio sei lá, surpreendente.
Acho que ele é sócio-fundador, sócio remido do Clube dos cafajestes - e os poetas, nós sabemos, vestem palavras lindas apenas para tirar a nossa roupa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário