Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Onde vivem os monstros


Pergunta básica que rege as regras da localização de Onde vivem os monstros: você olha o monstro ou a paisagem?
Fazemos isso com o tempo passado, não é? é que a dor é coisa viva, não situamos a dor no passado, reavivamos feridas, vivemos traumas, exumamos frustrações, remexemos os ossos de cada decepção. Uns fazem isso por aprendizado, como bichos amestrados que precisam aprender as coisas para ganhar o prêmio e evitar a punição; outros são masoquistas mesmo e, ainda, uns terceiros o fazem porque adoram parecer vítimas.
Sempre me intrigou quando Ivan Lins Cantava "Lembra de mim" e dizia: "se existe um pouco de prazer em sofrer..." e acho que há, sim, um certo prazer na dor. Não que isso não seja contraditório, uma vez que fugimos das dores, aparentemente. Mas retornamos a ela através das lembranças - e aí, vale o dito popular, "é sofrer duas vezes".
Bom seria se deixássemos o passado no passado, porque, claro, já passou.
Mas tem a memória.
Assim é que 2011 não é 2011 isoladamente, mas inserido num conjunto de eventos passados a que se somarão as experiências do ano corrente. Esse é o nosso calendário burocrático e todo mundo fala disso, embora com aquela ponta de relativo desgosto por saber que o simbólico impera e aí a identidade coletiva diz que o ano novo é novo.
Não protesto mais, não quero ser uma voz isolada: junto-me aos outros, vou á rua, olho os fogos, comemoro e aposto que o novo virá, mesmo que seja para repetir o "sempre" com discretas diferenças.
Antes eu não fazia listas de coisas a fazer e a deixar de fazer num ano novo. Há um ano ou dois eu faço, por causa de Cléo.
Acabei criando o hábito, e não me arrependo. Olhei, avaliei e comemorei tudo o que eu cumpri. Bem, a parede, a quarta parede, continua lá. Eu ia retirá-la agora, que só tem uma fileirinha besta de tijolos.
Aí um chegado me avisou que só se retira a parede após uns três meses...lento, para tirar os tijolinhos, né? e olha que é coisa besta.
Hoje a minha amiga Beth me falou que quando nossa amizade começou eu era muito fechada, que eu continuo muito fechada, não com ela, que conforme suas próprias palavras, eu "estou descarada", mas com os homens em especial e com as pessoas em geral.
Sabe que eu também acho? eu tenho intimidade com os íntimos. E odeio quem ultrapassa a linha fininha das relações e de seus compartimentos. Isso me leva ao outro assunto: o medo da intimidade.
Não é que eu tema a intimidade, eu temo o convívio.
Tanto faz se você fica na casa dos outros dois dias por semana ou se ficam em suas casa 08 dias por mês: a gente tende a se sentir invadido. Por isso não posso casar.
Onde ficaria minha privacidade?
E onde eu iria pôr esta minha necessidade de estar só? não quero solidão ampla, geral e irrestrita não, eu quero aquele tempo meu, meu direito a escutar músicas dos Raimundos e cantar com eles todos os palavrões; quero estar no MSN sem ter que responder com quem falo, sem ninguém me chamando para dormir, esses troços todos.
Lembrei que Allan quebrou todos os pontos insuportáveis deste quesito, perguntando: "Você está onde?"; "Você está com quem?"; "Você está fazendo o quê?"; "Você está com alguém?"
Todo dia eu coloco na balança o prazer de dormir entre abraços e tomar café da manhã juntos VERSUS a minha costumeira rotina de dormir esparramada na beira da cama,acordar e ligar a tv na VH1 e ir tomar café cantando, acabar o café e me jogar no banheiro, para tomar banho cantando besteiras, pensando besteiras e atirando palavrões ao vento porque justo nesta hora o telefone toca e eu saio ensaboada para atender.
Olho para a paisagem bem mais do que olharia para o monstro.
O monstro já está em mim, mando ele dormir, deixo quieto.
Falo com meu outro amigo, Léo, sobre a leviandade dos meus sentimentos e o constante contrabando afetivo que realizo ultimamente. Ele diz que anda nesse barco também. Concluo que ele não ama mesmo a moça, tal como eu não amo ninguém - ninguém/nenhum homem, sabe?
Deduzimos que isso não é leviandade moral, a gente pensa que ama, que gosta, que se apaixona, que se descabela, mas aí as nossas próprias atitudes desmentem nossas falsas convicções.
Nós estranhamos isso: Léo e eu não nos reconhecemos. Acho que nos tornamos infantes, como quem se desculpa dizendo: "Não foi isso que eu quis dizer". Será que passamos tempo demais olhando a paisagem? ou será que convivemos demais com o monstro?
Se você já cresceu e não tem medo de dormir no escuro,converse com seu monstro e aproveite todas as paisagens que 2011 lhe trouxer.
P.S.: Assistam ao filme Onde vivem os monstros, se tiverem tempo ocioso suficiente para isso e se não subestimarem o cinema de animação.

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