Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Quem sabe...


Há umas músicas que simplesmente odeio porque passam a integrar um imaginário comercial chato, tal como acontece com as músicas de natal e com as pequenas variantes dos parabéns para você.
Outras viram hinos chatos - e aí, meu irmão, coitado dos que eu amo, como Milton Nascimento, por exemplo, que teve seu Coração de estudante associado ao velório de Tancredo Neves; e depois foi a Canção da América que virou hino da Morte de Ayrton Senna, só para exemplificar por cima - e boa parte é aquela incômoda exumação comercial dos cantores falecidos ainda jovens, tipo Cazuza e Renato Russo. E de forçoso, me causa a maior irritação.
Aí hoje eu parei de implicar e finalmente escutei e ouvi (entendem isso?)Gonzaguinha cantar a frase inteira: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz..." - tá aí uma música que está em todo anúncio, em toda barca apelativa dos consumos - e eu amo Gonzaguinha, mas nem dei ouvidos a esta música, de tão chatamente executada por qualquer motivo.
Mas, ontem, eu senti uma imensa vergonha de estar feliz.
Atualmente, com o mundo pegando fogo, com os infernos pessoais que todo mundo tem, com as enrascadas em que alguns amigos meus se metem, enfim, por panoramas totalmente generalizados em que está todo mundo supostamente deprimido, toda felicidade parece uma ofensa, uma desconsideração com a tristeza alheia.
Ah, fiquei com vergonha!
Minha felicidade não foi causada pelas lágrimas de ninguém, não foi surrupiada, não foi furtiva, não foi herdada, foi uma conquista indireta e um presente que ele (!) me deu. Ainda assim, parece tão leviano estar feliz.
Toda tristeza é legítima, mesmo daqueles que não têm motivos reais para estarem tristes, mas você se sentir feliz é quase um pecado ou um crime.
Também, minha felicidade às vezes é tão baratinha, coisa de liquidação, paga com qualquer centavo, com qualquer gesto, com qualquer palavra.
Em certos tempos, não: a felicidade tende a ser o que está bem além do alcance de minhas mãos, aquilo que eu não teria como pagar, algo que ninguém me daria, algo impossível de ter, algo que não está nas prateleiras, algo que não tem receita para se fazer ou para se conquistar.
Todo desejo muda.
Se você deseja e tem, passa a ter outros desejos num tempo posterior; os meus desejos duram muito, quer dizer, boa parte deles.
E de vez em quando você tem medo de ter o que deseja ou se sente despreparado para ser feliz - mudamos nossas formas de ser feliz, nem sempre sabemos o que nos deixaria felizes e até esse aprendizado é bonito, é bom.
Mas dá muita vergonha ser feliz.
Claro que quem gosta da gente de verdade, não tem inveja: pega carona na nossa felicidade e eu não canso de dizer que amigos de verdades confundem nossas conquistas com as suas próprias.
Invejosos há, e esses sofrem mais: apesar de todo mundo ter medo do olho gordo, da inveja, o que a gente mais teme é encarar o invejoso como aquele ser que ele de fato é - alguém que acha que merece tudo o que você tem; ou que você sempre teve o que seria do merecimento dele; ou que você subtraiu a ele alguma coisa qualquer e, mais que isso, tememos as armas de que os invejosos se valem para despedaçar o que temos e que eles não poderão ter.
Mas, falar em felicidade parece uma arrogância do outro mundo!
Assim como a tristeza vem e nem sempre diz de suas origens, de vez em quando o sentimento de felicidade é gratuito.
Hoje eu acordei e fui fazer uns exames para as burocracias da vida. Para isso, eu precisava estar em jejum...
Além de ficar sem meu café da manhã, tomei um corte no dedo indicador, para medir a glicemia, e, caramba! como doeu!
Aí fiquei sem energia e meio vagarosa durante o resto da manhã e da tarde - com a casa por arrumar, com o texto por ser escrito (sim, escrevo em média uma página da tese por dia), com vontade de ficar enroscada no sofá como um gato de pensionato. Mas, veja, com uma manhã destas, quem consegue ser feliz?
Teimosamente, eu continuo feliz e me sentindo anormal por isso.Eu que digo, todo dia, neuroticamente, que toda felicidade é suspeita.
É típico do neurótico se preparar para o que vem depois da felicidade, temendo preços e consequências...mas, de vez em quando eu apenas páro e agradeço, só me resta agradecer.
Talvez o Barão Vermelho tenha acertado ao dizer que, "A felicidade é um estado imaginário".

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