Louquética

Incontinência verbal

domingo, 16 de janeiro de 2011

Da necessidade da ficção


Discutíamos na segunda parte da disciplina Teoria da Narrativa, não apenas o estatuto do romance moderno, mas, a partir daí a condição da própria ficção.
Na última aula eu falava justamente disso com a nossa professora: temos um momento tecnológico que nos joga à cara não somente a repetida avalanche de informações, mas a necessidade de mobilizar atenção para reter algo acerca daquilo que nos pula à cara.
Nos canais de informação temos a headline,a manchete, continuamente exposta. Logo abaixo duas tarjas móveis com síntese de notícias menores, enquanto ao canto ficam os indicadores econômicos, com os índices Dow Jones , Ibovespa, Dólar turismo,Dólar Comercial, data e horário.
Uma das principais diferenças entre Informação e Conhecimento é, exatamente, o processo de ambos. Informação é composta por dados. É excedendo a mera constatação e memorização e se apropriando do dado para realizar processos mentais que transformamos a informação em algo significativo em profundidade, ou seja, conhecimento.
Isso serve, por exemplo, para que a gente pense melhor a respeito de tão alarmantes números de gravidezes na adolescência, quando teoricamente todo mundo tem acesso à informação acerca de métodos anticoncepcionais. Tem-se a informação, não o conhecimento, para exemplificarmos superficialmente.
Ocorre que fatores relacionados às técnicas e aos meios de comunicação são costumeiramente arrolados pelos teóricos da literatura e da filosofia para pensar seus efeitos sobre as produções ficcionais.
Silviano Santiago e Theodor Adorno traçam um longo caminho teórico para avaliar o estatuto do narrador do romance, intercalando as suas questões com as outras decorrentes do desenvolvimento técnico e das comunicações.
Essa não é uma discussão rasa, passa pela análise do narrador épico, quando se tinha uma lição, um ensinamento sob a história narrada, passa pela ascensão da burguesia, avança para o desencanto da Modernidade e chega ao tempos atuais e suas configurações sociais,culturais e identitárias.
Ao retomar Walter Benjamin, em seu capítulo que trata da obra de Nicolai Leskov, contido no livro Magia e técnica, arte e política, Silviano Santiago localiza a formulação de três estágios ou tipos de narrador ao longo da história, tendo, pois, por primeiro estágio uma prevalência, por parte do narrador, de intercâmbios de experiências; sucedido pelo segundo estágio, em que o narrador já não se comunica com o leitor e, finalmente, o terceiro estágio, depreciado por Benjamin por tratar-se de um narrador-jornalista, isto é,por descrever algo próximo do que encontramos na constituição da reportagem.
Nosso tempo vive gritando pelo realismo: acredita nos documentários, no jornalismo-verdade e em ilusões deste tipo, que passam a idéia de fidelidade, de verdade.
Época de voyeurs, é a nossa.
Época de exibicionistas, também, porque não há um sem outro e Andy Worhol não errou ao prever que num futuro todo mundo teria pelo menos quinze minutos de fama, mas deixou de ver e de prever quantos se engalfinhariam bigbrotheranamente por este direito profetizado, gerando a concorrência para aparecer.
Por outro lado, quem acertou totalmente foi Bakthin, que previu que o romance sempre encontraria formas de se reinventar. Dito e feito: nossos contemporâneos que tanto querem coisas reais, vida real, HDTV, isto é televisão com imagens de alta definição (High Definition), quer o making of de tudo, quer a vida como ela é, esse mesmo ser convive com ou ele mesmo é, daqueles que se derretem com a saga Crepúsculo e com outras historinhas fantasiosas, de bruxinhos, de vampirinhos, de encantamentos, ou de animações, de desenhos animados.
Resumindo: temos necessidade de ficção, temos necessidade de fantasia.
A velha receita de todas as novelas é tão conhecida quanto é repetida. Ainda assim, nada diminui seu sucesso.
Todo mundo se finge de ausente ou off-line no MSN, tem perfis fake espalhados por aí, tem uma Second Life não assumida quando acessa a internet e todo dia ficcionaliza a si mesmo ou vende fantasias.
Os realities shows nada têm de reais, é sempre editado, tem aparato técnico de câmeras, luzes, narração, sonoplastia, trilha sonora, casal protagonista, antagonistas e, claro, um narrador - Bem, ele pode ser Brito Júnior ou Pedro Bial, mas o telespectador é que pensa que é onipresente,onipotente, onisciente, que sabe tudo,que vê tudo, que acompanha tudo...

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