Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Filhos da Pátria?


"A atual conjuntura do capitalismo global está sendo marcada pelo surgimento de novos nacionalismo que privilegiam os elos de descendência e raça e, como corolário, os direitos às raízes. Especialmente pesquisadores que adotam uma perspectiva transnacional de migrações examinaram os projetos de reconstrução de Estado-nação de antigas colônias e documentaram os processos de incorporação de seus emigrantes dispersos pelo mundo na formulação de nações desterritorializadas (Glick Schiller, Basch e Szawnton-Blanc, 1992; Basch, Glick Schiller e Szatons Blanck, 1994). Também em resposta à reestruturação do capital global e à emergência de blocos econômicos regionais, antigas metrópoles imperiais européias - que exportam ou que em tempos idos exportavam proporções significativas de emigrantes - começam a redesenhar a pertença à nação pós-colonial, por meio da concessão de direitos de nacionalidade a esses emigrantes e/ou descendentes, diretos esses por vezes baseados em princípios de jus sanguini."
Este trecho é do início do texto de Bela Feldman-Bianco, chamado Entre a "fortaleza" da Europa e os laços afetivos da "irmandade" luso-brasileira: um drama familiar em um só ato, extraído do livro Trânsitos Coloniais,publicado em 2007, pela UNICAMP.
Está em pauta um pano para manga que orienta minha tese de doutorado e que, por minhas tendências já decretadas e assumidas, será um ponto difícil de conciliar.
Fiz um curso de História da Arte, em 2005, e me espantei pela ojeriza e hostilidade dos meus colegas em relação à nossa professora, que era portuguesa e estava no Brasil apenas por motivos profissionais.
Acho esquisito que até os dias atuais a gente não tenha se livrado do Pecado Original - dívida que tantas gerações nunca conseguiram pagar.
Assim também comparo esse evento: nossa professora teria que pagar por aquilo que seus antepassados e patrícios haviam causado ao nosso país? acaso ela estava em alguma daquelas naus?
Convém localizar direito quem perpetua verdadeiramente as práticas colonialistas.
E depois, não fizemos um pacto pelo vencedor, uma vez que tratamos como inferiores todos os povos dizimados e violentados pelos europeus, em geral, e pelos portugueses, em especial? pense aí o que o se cristalizou como pensamento sobre índios, ameríndios e negros, por exemplo.
Não somos nós que achamos interessante se travestir com as máscaras do vencedor?
No texto de Bela Feldman-Bianco muitas discussões importantes para o entendimento do mundo pós-colonial são arroladas, centrando-se nos incidentes diplomáticos referentes ao sem-número de brasileiros retidos/detidos/deportados nos aeroportos de Portugal, majoritariamente na década de 1990 (o ano de 1993 seria o mais marcante).
Entram nesse rol de discussões a política discriminatória de Cavaco Silva e as declarações de Leonardo Batista, na época Embaixador de Portugal, que, em entrevista ao Estadão, chamou os brasileiros em questão de "vagabundos" e "mulatinhas de minissaia".
Focalizando essa crise, a autora irá demonstrar os recíprocos desconhecimentos entre Brasil e Portugal, apesar dos desdobramentos desta crise serem favoráveis, para sua extinção, à exaltação da falaciosa ancestralidade compartilhada e à retomada do aforismo de Fernando Pessoa, de que "A Pátria é minha Língua":
"[d]o retângulo da Europa passamos para algo totalmente diferente. Agora Portugal é todo território da língua portuguesa. Os brasileiros poderão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos poderão chamar-lhe Moçambique. É uma pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, essa é a pátria de todos nós" [Agostinho Silva, in Mendanha, 1994-pp.30-31 APUD FELDMAN-BIANCO, 2007, p.430]
Encaremos o caldeirão dos problemas, especialmente o meu e o da minha tese: quando os portugueses vieram ao Brasil e desapropriaram nossas terras, colocando-se no papel de colonizadores - que, na cabeça de muitos portugueses equivale a dizer que seus patrícios foram nossos salvadores - daqui não apenas extraíram tudo, em termos de potencial econômico e de potencial humano, como também deixaram marcas profundas das políticas da própria colonialidade do poder.
A forma como se deu esse processo deixou heranças sociais de extrema problemática e incontornáveis empecilhos ao desenvolvimento nacional, mas, eles vieram para cá e isso foi apenas um dos desdobramentos deste contato.
Há, embutida aí uma dívida social gravíssima e está na teoria da maioria dos autores que estudam a pós-colonialidade: a riqueza européia se fez a partir de suas políticas colonialistas e imperialistas, da pilhagem das riquezas locais, isto é, dos locais de exploração, a saber, as Colônias. Isso possibilitou à Europa ser quem ela é hoje - ou seja, o desenvolvimento dos países colonizadores se fez a partir da exploração de suas colônias. Entretanto, hoje em dia,os ex-colonizados, quando tentam ingressar num desses países, são vistos como os irmãos bastardos, assim como o crítico desenvolvimento sócio-econômico dessas mesmas ex-colônias são tratados como um problema dos países em si, de sua incapacidade de se resolver,de resolver seus problemas internos enfim.
O buraco da questão vai bem mais fundo, mas aqui estou, tendenciosa, escrevendo o que eu realmente penso, para ver se extravaso o suficiente para que minha tese não seja personificada na exata pessoa que sou, que não passa à margem de um processo histórico de que meus antepassados foram testemunhas e cuja repercussão recaí para minha geração.
Texto científico tem suas exigências...
Aqui é uma síntese rápida, superficial, mas que dá uma idéia de onde vão meus pensamentos e minhas inclinações - que, por sinal, são manifestamente contrários à reforma ortográfica e a essas medidas que buscam resolver conflitos maiores a partir de ações teatralizadas, para dar uma idéia de uma unidade, de uma irmandade que não há.
Tenho ainda muitas questões a resolver com Camões e com Pessoa, muitas páginas a rever e a ler, mas tenho medo de que a memória dos dias recém-passados deixe de estar clara na fundamentação das pontes de compreensão da re-invenção da memória, que é outro eixo da minha pesquisa. Mas, tenho aí outros "mares nunca d'antes navegados" para dar conta.

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