Louquética

Incontinência verbal

sábado, 15 de janeiro de 2011

A pesquisa e os seus paradoxos


Tem absurdos que parecem ainda mais absurdos porque desafiam o óbvio. É tipo saber que os chapéus do Panamá são feitos no Equador e que nem todo cantor baiano faz música baiana, sabe? é esquisito, mas é verdade.
Agora, imaginem a dimensão disso se aplicado às questões identitárias e das figurações da nacionalidade. Focalizem agora essas mesmas questões no redemoinho de coisas presentes na minha pesquisa: tenho que dar conta dos portugueses DE Portugal e dos portugueses de Angola, por exemplo. E não são portugueses EM, são portugueses DE.
Aí entra o dilema central de As naus: os retornados.
Esses retornados são os portugueses que retornaram de Angola. Maravilha, né? Acontece que há retornados que nunca estiveram lá e aí entram aqueles paradoxos que parecem música de Falcão (tipo o que ele faz ao propor O retorno do regresso e o que o senso comum chama de A volta dos que não foram).
Para dar sentido a isso tem que contextualizar e amarrar os três tempos deste romance citado: O tempo da narrativa; o tempo histórico, ou seja, o tempo de referência; o tempo da escrita e da publicação e que meu outro professor aconselha a colocar o tempo de minha leitura como um quarto tempo, porque há teorias que eu uso e que pertecem ao meu tempo imediato e que não podem passar à margem de um explicação que seja capaz de atar tantos tempos.
Só dentro do tempo da narrativa há, no mínimo, dois tempos: o tempo das Descobertas e o tempo das Guerras de Descolonização da África.
Faço Literatura Comparada, então, resolvidos esses tempos, terei os tempos de Terra Papagalli para tratar. E nessa, quem fica sem tempo sou eu.
Aqui em casa, acumulam-se os ensaios por corrigir, as provas de duas turmas, mil e-mails de gente que eu oriento em Seminário de Pesquisa e os meus amados e desesperados orientandos de TCC.
Dizem que eu estou de férias.
Eu preciso muito me lembrar disso. Mas do jeito que fico preocupada, estudando, escrevendo e me lastimando nos post que componho aqui, também eles, os meus alunos, ficam na culinária: sentem a batata assando e, por conseguinte, me sobra a tarefa de descascar abacaxis.
Negócio mais esquisito é ser professor enquanto se é aluno, viu? mas todo mundo passa por isso. Desde o Mestrado minha vida era assim, dupla: eu era aluna e era professora.
Sei o desespero de estar dos dois lados e queria desligar um e outro no momento adequado, por isso, talvez, que eu seja indisposta por qualquer atividade profissional que me bata à porta quando eu estou na Casa dos Professores ou na minha casa: só sou funcionária da UNEB na UNEB, salvo tarefas extras pré-determinadas.
Se não levo a minha casa para o trabalho, também não quero trazer o trabalho para a minha casa.
Vejam quanta confusão nisso tudo e eu ainda tenho que ficar atenta ao antigo império português e todo o reordenamento pós-colonial, para assentar esses fatores dentro da pesquisa e, pior, dar sentido àquilo que já é, por si, confuso.
E ainda tem gente que fica questionando como é que a gente enlouquece. Ah, adivinha?!
Mas, para encerramos este assunto, acompanhemos a sensibilidade poética das palavras sábias do pensador cearense Falcão,na música O desgosto que a tua mãe me deu, que compõe o enigmático CD chamado O dinheiro não é tudo, mas é cem por cento:
Eu acho melhor escapar fedendo
Do que morrer cheiroso
Pois já dizia, a minha tia Que nasceu morta
Que a coisa pior da traição
São os comentários
Porque, de fato, ficam as fofocas
E os boatos
E dá uma dor igual
A que dá no parto das lagartixas,
Camaleões
Paca, tatu, cotia não
Calango cego e etecetera

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