Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Chuva, clichês e ilusões


Tem um negócio com os clichês que é, exatamente, nossa desatenção com eles. É que se desgastam e às vezes se desgastam antes mesmo de chegarem em cheio até nós. Mas fiquei pensando em um, que ouvi ontem: "Só se desilude quem se ilude".
Nada de novo, não é? nenhuma filosofia especial, nenhuma elaboração teórica que acrescente nada a velhos postulados que a gente internaliza...
Mas, como a cadeia associativa é um elo que não se pode desafiar, fiquei pensando nas desilusões com os amigos e com os amores e constatei que, de fato, me iludi, projetei coisas que não haviam, supervalorizei indícios ao invés de provas e acreditei na imagem projetada, nada que tenha havido ontem, mas ao longo da vida.
Depois vem a desilusão.
Desilusão é algo como uma queda dolorosa. E é uma queda de proporções imensas, que machuca muito, mas que, depois que você se levanta, tudo é mais real.
Nem sempre a realidade vai doer mais. Deve doer, mas passa e cicatriza. Aí a desilusão se torna amiga íntima da decepção.
Quando a gente se desilude, devido à ação geradora da realidade e do princípio de realidade, tudo se torna muito "idêntico a si mesmo", as aparências já são vistas como meras aparências. Ponto final: hora de desistir do amor ou da amizade, de estabelecer as distâncias emocionais necessárias e de virar a página.
A ilusão é algo que nem está ali, mas que nós colocamos: optamos por certos pontos de vista e nosso prisma pode gerar ilusões de óptica; adotamos o ponto de vista de outros e podemos obter o mesmo resultado ilusório;podemos enfeitar as coisas e conferir outros sentidos mais agradáveis aos nossos interesse e, com isso viver de ilusão ou podemos também encontrar quem seja um bom "ilusionista". Acho que sou meio flexível com os ilusionistas porque há momentos em que a mentira e a inconsistência da ilusão fazem um curativo em nossas dores e nos fazem sonhar um pouco. O preço é alto, claro.
Dia desses eu citei Freud por aqui, em O futuro de uma ilusão. No contexto, ali, da religião, entende-se o que ele quer dizer. Entretanto, eu me referi a mim mesma, porque vi uma ilusão que eu criei e cujo futuro era insustentável. Bem, sobrevivi.
Quando eu estava indo para UFBA,conversava umas amenidades com uma amiga, mas fiquei revisitando uns cenários, enquanto isso - é que meus dois amores do ano passado foram vividos por ali. E então comentei com ela, que está apaixonada pelo crápula de Geografia, que a gente estava diferente na vivências com as dores, com as faltas e com as angústias.
Ela complementou: "E com as desilusões".
E concluimos que não sucumbimos mais da mesma forma porque temos múltiplos interesses e múltiplas ocupações, proporcionalmente importantes. Aqui está a minha resposta sobre "como sobrevivi às angústias da perda do Ex-Grande Amor da Minha Vida".
Estudar é importante, cuidar de nossa profissão é importante,os nossos projetos são importantes e igualmente importante é o entorno do convívio sócio-afetivo da gente. Não temos só um ângulo para olhar, nem uma só coisa a guiar nossa vida.
Não sou daquelas pessoas grossas que afirmam que depressão se cura com roupas sujas para lavar. Mas também não nego que ter o que fazer ajuda a superar o impulso negativo a hibernar na tristeza infinita, muito cômoda para quem quer fugir da angústia - e como a angústia é a base da vida, queixam-se da vontade de morrer, isto é, evidenciam a indisposição para viver.
Nos meus maus momentos, que nem precisam ser tristes mas estressantes, também eu, se pudesse, delegaria minha vida a outrem, passaria a procuração: "Nomeio e constituo meu bastante procurador o Sr. Meu Amigo, para que em meu nome tome decisões, efetue pagamentos e responda às demandas cotidianas." Pronto: firma reconhecida, burocracias de cartório e eu iria dar tchau aos meus problemas. Mas,se não dá, cuido de mim, com franca consciência de que nem todo dia é um dia bom.
Mas, ao andar ali pela UFBA, pisoteando lembranças e saudades, confirmei minha relação com a ilusão, porque poucas vezes permiti que ela crescesse um pouquinho e outras, avaliei mal, achando que algumas coisas nem mereciam ser desejadas, porque seria ilusões, impossíveis ilusões.
Somos outras por dentro: minha amiga e eu.
Ainda nos iludimos, sim, mas muito pouco. E quando isso ocorre, chamamos para nós a responsabilidade: "Eu criei uma ilusão".
E sobre o dia de hoje, já nem posso dizer, como Fernando Pessoa, "O dia deu em chuvoso", porque todo dia por aqui( e em Salvador também) tem dado em chuvoso. E se não nos iludimos com o sol que não virá, por outro lado, vem a minha amiga a perturbar minha prudência financeira, a me convencer a ir ao Festival de Inverno de Lençóis.

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