Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Tempo e Semelhanças


"Um olhar lançado à esfera do "semelhante" é de importância fundamental para a compreensão de grandes setores do saber oculto. Porém esse olhar deve consistir menos no registro de semelhanças encontradas que na reprodução dos processos que engendram tais semelhanças. A natureza engendra semelhanças: basta pensar na mímica. Mas é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças. Na verdade, talvez não haja nenhuma de suas funções superiores que não seja decisivamente codeterminada pela faculdade mimética. Essa faculdade tem uma história, tanto no sentido filogenético como ontogenético. No que diz respeito ao último, a brincadeira infantil constitui a escola dessa faculdade. Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante ou professor, mas também de moinho de vento e trem."
(BENJAMIN, Walter.Magia e técnica, arte e política. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994).
Ao analisar a doutrina das semelhanças, Walter Benjamin esmiuça uma torrente de aparatos a respeito da faculdade mimética, da sua transformação e de como isso se situa no mundo contemporâneo. Olha que o contemporâneo já é questionável e por isso fiz a citação acima.
Passo pela mímese, pela mímica e pelo mimetismo no sentido dos estudos pós-coloniais, daí porque revisei esse texto.
Tenho um problema, assim como Manoela, assim como minha própria orientadora: esqueço (cemos) os textos.
Sabemos do que tratam, que referências dar e a que eles se referem, mas não mapeamos nada, basta mudar de semestre e a cabeça apaga as coisas - e já não sei se os problemas são mesmo de memória ou do quanto somos expostas a conteúdos que formam links no que ensinamos e no que estudamos.
Se soa arrogante dizer que li o livro cinco vezes, deveria, antes, soar como um sinal dos tempos, porque vamos lendo, depreendendo, reprocessando, mas chega a um ponto em que isso é feito com várias obras...ah, confusão e lapsos!
Há um mês, aproximadamente, eu estava discutindo com Tati a dificuldade de aplicar certos sentido cronotópicos à minha tese, menos pelos textos em si do que pela forma como o tempo de hoje mudou tudo, destituiu formas de conceber gerações e cronologias, se fez entrópico e fugaz, por mais que essas coisas assim postas em paralelo fiquem estranhas.
Então ela me perguntava do meu caso:"Quais são os anos das obras com as quais você trabalha?" (anos, aqui, no sentido de ano de publicação). E eu respondi bem tranquilamente, 1989 e 1998.
Tati ficou louca, em busca da resposta sobre como estabelecer um estudo comparativo para distâncias temporais tão grandes e eu, ainda tranquila, acreditava na velha contagem historiográfica que mede as gerações.
Sim, cada geração, em tese, equivaleria a uma vida. Com isso, teríamos 30 a 40 anos como duração.
Contraditoriamente, me parece que agora uma vida dura bem mais que isso, haja vista a expectativa de vida que consta das estatísticas, mas o tempo já corre mais rápido, tudo bem rápido e superficial, tudo ficando obsoleto por diferenças sensíveis da tecnologia, mas aí as gerações já podem ser consideradas a cada 05 anos - eu que não concordo com isso.
Eu ainda falei para Tati que achava 2006 foi há uns 20 anos atrás. Ela concordou. E para mim, é sério: 1998, por exemplo, foi há uns 50 anos e o mesmo 2006, juro, me passa a impressão de que está anos-luz de distância, porque essa objetividade de situar 2006 como cinco anos antes do ano em que estamos não dá conta de nada.
Então me enrolei com o tempo - não me importo, já previa.
Por outro lado, o fim não está próximo: o fim está sempre próximo. Acredito que o mundo acaba de tempos em tempos. E desde quando me percebi no mundo até hoje, o mundo já acabou várias vezes, este aqui é outro mundo, reinventado, mesmo-e-outro. E se algum imbecil apenas para simplificar chamou tudo isso de pós-moderno, deveria reconhecer que o conceito também não dá conta do que vivemos.
Como o pós do pós-moderno não significa o que vem depois, o que supera o antigo, mas o que vive concomitante a ele, talvez assim considerado possamos concluir, com Benjamin: "Porém o ritmo, a velocidade na leitura e na escrita, inseparáveis desse processo, seriam o esforço, ou o dom, de fazer o espírito participar daquele segmento temporal no qual as semelhanças irrompem do fluxo das coisas, transitoriamente, para desaparecerem em seguida." (pp.112-113).
Nossa Senhora! hoje é sexta-feira e eu estou aqui, em pleno clima de tese...deixa eu fazer jus ao caráter louco do blog e mudar de assunto. O efeito CDF se implantou em minhas plaquetas, está circulando na corrente sanguínea...bem que se eu bebesse álcool...

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