Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Chuva, sempre chuva


Vai parecer que eu detesto a chuva, mas não é verdade: eu não gosto dos dias chuvosos. Talvez o mais provável seja que eu prefira as noites chuvosas, mas não deveria chover nas noites de sábado, quando o sábado chegar.
Irritantemente, vou dizer que está chovendo - e aquele mesmo dia cinzento, que me arranca a vontade de sair, que me faz protelar as necessidades e os compromissos porque tudo parece preguiçoso, tudo parece triste e o meu cachorro nem quer sair da casa sequer para comer, porque chove e está frio.
E lá fora parece que tudo é lama e água, apesar das ruas devidamente urbanizadas...enfim, tudo chato, bem chato mesmo. Apesar de, nesta semana, ter deixado para depois o que eu deveria ter feito antes, praticamente acabei o que havia por ser feito: os detalhes e as revisões ficarão por conta de minhas neuroses. O dever cumprido me deixa mais calma, mas não levo tão a sério as minhas necessidades pessoais neste momento, por causa da chuva irritante lá fora: devo deixar para depois.
Não vou a cartomantes, não acredito em cartomantes, mas persigo o assunto ante a insistência das minhas amigas: por que será que elas acham que alguém pode saber mais a respeito delas do que elas mesmas? Por que será que elas acreditam que as cartomantes podem mesmo antever o futuro?
Se fossem perguntas voltadas ao público em geral, tudo bem, as respostas seriam óbvias: desespero de causa, fraqueza, desespero de paixão - e tem coisa mais potente para subtrair nossa razão? - sentimentos de impotência e solidão também estão aí.
Já vi coisa do outro mundo, mas daí a atribuir a alguém esse poder de prever minha vida...
A cartomante de Machado de Assis não é diferente da cartomante de Lima Barreto, que não é diferente da cartomante de Clarice Lispector em A hora da estrela. Não será o bastante para minhas amigas fecharem um raciocínio? e das quantas vezes em que elas vão às consultas e voltam felizes, cheias de boas notícias e de promessas de felicidade e aí, o tempo passa...
Será que vão lá buscar esperanças?
E a cartomante sempre diz: "Você conhecerá alguém que vai mudar a sua vida." E a amiga conheceu mesmo, já que se meteu no submundo e deu de cara com quem, de fato, mudou a sua vida.
Minhas amigas fazem adaptações, ligam coisas desconexas e acham que as cartomantes sempre acertam... não, isso não é racional, elas devem ir lá procurar esperanças mesmo.
Eu morro de vontade de saber do futuro. Bastava saber se vai chover nesse sábado e já estaria muito bom.
Se esse negócio desse certo, se houvesse mesmo um serviço de previsão do futuro, como há um falho serviço de previsão do tempo, eu iria adiantar o meu lado para ficar mais tranquila com a decisao que eu tomei - aliás, as duas decisões, que não são fáceis.
E no tocante a esse assunto, minhas amigas ficaram torcendo tanto para eu decidir pelo "sim". E agora, que o "sim" está dado e só falta ser legitimado, elas pensam no que fazer para me ajudar no caso de que o "bem" venha antes da hora. Aí eu vou estar ferrada.
Nenhuma cartomante via me ajudar, porque elas não podem. E também, eu já li ficções demais sobre as cartomantes, de modo que sei que elas são ficção.
Tenho crenças, como qualquer outra pessoa. Algumas por causa da família, cujos membros parecem aquelas gerações lá dos Buendía, de Gabriel García Márquez em Cem anos de solidão. E por isso me vejo ariana, com a tia astróloga todo dia a, mesmo de longe, acertar nos prognósticos, não porque anteveja nada, mas porque entende tudo de física e embaralha com astrologia, de modo que sabe do ego de C. sem ao menos tê-lo visto; e explica essa minha mania de racionalizar e de insistir, batendo a cabeça na parede, traçando coisas, riscando, calculando...a minha tia me convence, mas não tem nenhum poder.
Começo a entender a revolta de uma certa amiga minha que agora me induz a me refastelar nos pecados, nas ilegalidades, nos erros, a chutar o pau da barraca: ela falou de mim para falar de si: "Mara, você fez tudo certo: trabalhou, estudou, viveu honestamente. E o que você ganhou com isso? adiantou ser certinha? você ganhou o quê sendo ética? e a obediência, te deu o quê? Em nada, não foi? então aproveite, faça tudo diferente, erre mesmo, arrase com tudo!". E esses conselhos desabafados para mim, quando até recentemente eu declinava das coisas por conta de responsabilidade moral, eram um contra-espelho, porque ela respondeu a todas essas perguntas retóricas e chutou o pau da barraca, contrariando todo um passado de conduta ilibada e de irrepreesível comportamento.
Trocando essa questão em miúdos: fazer tudo certo não garante bons resultados.
Não é porque você procura os melhores caminhos que os resultados serão compatíveis com a ação. Acredita-se demais na lei de ação e reação, apesar da vida provar o contrário.
Não quero fazer tudo errado a fim de que no final tudo dê certo, porque aí será ainda mais difícil, mas entendo que elas, as minhas amigas,se decepcionam por ter maus resultados apesar de seguir as melhores receitas.
Não estou messianicamente esperando a volta de ninguém, nem acho que tudo está escrito - nem no cartório, nem nas estrelas, mas peço desculpas pela sinceridade da minha falta de esoterismo e aos poetas, peço desculpas pela minha falta de tolerãncia com a chuva: é que não passa nunca!

Nenhum comentário:

Postar um comentário