Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Dias de CDF


Faz muito tempo que eu não me sinto CDF, mas agora que realmente estou sendo, entendo o sentido e prática de ser CDF: é que minhas nádegas estão anestesiadas de ficar sentada em frente ao computador e, quando finalmente eu vou dormir, fico sentada na cama, relendo o romance de António Lobo Antunes, catando formigas e detalhes, coisas que os meus olhos não viram antes dessa minha sexta leitura.
Meus capítulos estão no fim, mas nunca acabam porque eu releio tudo, capto os lapsos semânticos, as ambigüidades, as notas que ficaram por ser inseridas, o sentido, a coesão do texto... E com isso de ler de novo o romance, toda hora me aparece uma novidade a ser acrescentada.
Aí, quando instituíram o epíteto de CDF como sigla para C* de ferro, realmente sabiam do que estavam falando: parece que há um peso no traseiro, uma âncora que prende a gente aos afazeres do estudo. Mas, claro, tem o lado da vaidade intelectual de não querer passar vexame.
E tem os imprevistos, porque se eu pego uma banca chata tem disso: há conceitos batidos, conhecidos até à exaustão. Logo, deduz-se que explicá-los novamente é ensinar o pai-nosso ao vigário. Contudo, para uns tantos membros de banca de avaliação, você tem que explicar o lógico, o óbvio e o banal. E, claro, às vezes quem lhe indica isso é o seu próprio orientador – e na hora da avaliação, quando você fez ou deixou de fazer por indicação do orientador, o normal é que ele tire o braço da seringa e c* da reta, como dizemos por aqui. E também como dizemos por aqui: “Babau!”, isto é, você está lascado!
Paralelo à tese, a vida continua: os afazeres domésticos, a vida social, a academia para onde vou mais para retirar a ferrugem do meu CDF do que para me esbaldar como às vezes faço, para gastar a energia acumulada; o cachorro para dar banho, a cidade fria e chuvosa, o cabelo por ser cuidado, o dentista, o médico, as consultas negligenciadas pelo tempo escasso e, para completar, o plano de curso para as aulas que darei a partir desta segunda-feira na UFBA. Responsabilidade, pouco tempo e pouca grana, para arrematar meu quadro de impaciência.
De vez em quando eu dou a louca (ora, que novidade para quem é Louquética, hein?): desligo os telefones, espanto os meus amigos egoístas, começo a tanger os parentes como quem extermina moscas e vou viver para ler e escrever meu texto.
Leio, escrevo, complemento, me arrependo, escrevo de novo e a vida continua (em círculos).
Paro e penso na analista, que não sabe que eu, a esta hora, congelei um importante aspecto de minha vida – ela que me ralhou várias vezes por negligenciar o mais importante, por fingir que não é importante aquilo que para mim está acima de muitos valores, por desistir devido ao cansaço, por deixar minha impaciência decidir por mim, por recuar porque avaliei mal o obstáculo e o prêmio e, por fim, subestimei o meu querer.
Não gosto de problemas: se eu tiver um, vou resolver, mas não quero nunca mais que ele volte. Sou das pessoas que podem dizer com orgulho e desdém: “Problema seu!”, porque eu ajudaria a resolver um problema, mas não admito que me tragam problemas. E ela, minha analista, fica espantada pela forma como eu renuncio a qualquer coisa que me traga problema – olha, gente, pode colocar tudo num mesmo balaio que não estará errado: morar com alguém é problema, maternidade é problema, namorado que mora com a mãe é problema, trabalho com gente falsa e picuinha é problema, imprecisão é problema, indecisão é problema, gente que eu não gosto é problema e C. é problema também. E para esses tantos, queria eu poder apenas apertar teclas e resolver: Ctrl+alt+Del. Pronto! Todo mundo na lixeira! E depois fica a indireta das malvadas: “Se pensa que tem problema, não tem problema: faz sexo bem!”...não sei de onde elas tiraram isso.

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