Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sabe com quem você está falando?


“Você sabe com quem você está falando?” esta arrogante sentença já foi combatida de várias formas, inclusive através da ironia: “Você está com amnésia?”, responderia o interlocutor.
Também a famosa frase: “Você sabe quem é o meu pai?”, expressão de um arroubo de autoridade e poder, ganhou sua resposta com o passar do tempo, a saber, “Bem, eu não sei quem é o seu pai, mas um teste de DNA pode resolver isso por você.”
Não é nem preciso procurar os vestígios das atitudes senhoriais nestas expressões – já são por demais explícitas, num país como o nosso em que o nome, a filiação e o dinheiro presume tratamento diferencial e alimenta a egolatria desse povo mal educado que se vale desses subterfúgios.
Acredito que e-mail é um meio coloquial de comunicação entre os amigos e conhecidos e, em menor proporção, pode sim, exercer uma função formal e tratar de assuntos de outra ordem. Para estes últimos nós estamos preparados, sabemos o teor, o conteúdo provável e a necessidade de alguns pressupostos burocráticos e formais.
Quando o nosso amigo passa a nos mandar e-mail contendo dados formais em excesso, passamos a cogitar se ele não está nos perguntando: “Você sabe com quem você está falando?”.
Aconteceu anteontem, com mais um amigo meu.
Ele foi vender a alma ao mesmo Capeta para o qual eu e todo mundo que eu mais conheço já vendeu: a velha história do começo da carreira e a velha história de quem pega a estrada e vai para uma das fronteiras da Bahia com Sergipe, mais para obter o comprovante de experiência do que em troca do salário.
Nem bem fechou seu primeiro mês lá e me veio com esta, na assinatura do seu e-mail – e é preciso ressaltar que era um e-mail informal, para os amigos, engraçadinho até – “JPD: Professor D.E. de T.L./Professor de X, Y e Z disciplina /Mestre em.../da Instituição.../acesse o lattes pelo site: blabblablá.”
Olha, D. E, é Dedicação Exclusiva mesmo. O resto eu abreviei, mas chamo a atenção para que o cara está informando, inclusive a sua carga horária na Instituição, seu regime de trabalho.
Ego todo mundo tem.
Para nós, que somos mulheres, dizer de onde se vem, para onde se vai, qual a titulação e etc. pode ser um passaporte para combater preconceitos, para desconstruir o juízo antecipado de que somos burras e fúteis e ser um instrumento anti-misoginia. Ou pode ser mera vaidade mesmo, de que não estamos livres. Por questões de gênero até dá para entender a atitude. O que aponto é só uma provável justificativa, não estou afirmando que informar essas coisas consiga atingir os objetivos pretendidos.
Mas, então, para os homens, nem esses álibis estão disponíveis.
Sempre que recebo um e-mail cheio desses protocolos, acho que a pessoa está me dizendo: “Você sabe com quem você está falando?”.
Ora que inútil!
Se temos a intimidade da troca de e-mails, se somos amigos ou apenas conhecidos, lógico que eu sei tudo isso.
Acho deselegante, esnobe, descabido.
Pode ser que o meu amigo apenas esteja copiando tendências atuais, em que o ego se sobrepõe à função.
Se eu for entrar nessa, aproveito para colocar meu signo, meu peso, minhas preferências, o nome do meu pai, da minha mãe e os últimos filmes que eu assisti.
Penso também que pode ser orgulho, no sentido mesmo da pessoa se sentir orgulhosa de si, feliz, e querer comunicar ao mundo (?) aonde ela finalmente chegou.
Pode ser que a pessoa seja ególatra e pense que assinando com seus títulos e funções desperte inveja. Nesse caso, há um problema grave: amigos não invejam amigos – exceto os falsos amigos que, obviamente, não são amigos coisa nenhuma – e querer despertar inveja só reforça a teoria de que algo não vai bem em uma das partes,aliás, nas duas. Por que ter inveja dos amigos, se torcemos por eles? E para quê desejar despertar inveja? Logo, o festival do ego se mostra supérfluo, mal empregado, fora de propósito.
Talvez seja mesmo moda. E se for, é muito deselegante, de modo que nunca pretendo usar um modelo desses e, se for forçada a isso, que pelo menos o faça através de um e-mail institucional.
Pensando melhor, pode ser que nunca tenha mesmo sabido com quem eu estava falando...

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