Louquética

Incontinência verbal

domingo, 21 de agosto de 2011

Problemas com a língua


Esse negócio de idiomas é caso muito sério.
No meu caso particular, quem disse que determinar se se trata de português de Portugal ou de português do Brasil resolve? Fora as incontáveis diferenças na lusofonia nos demais países.
Foi um esforço entender o que era “fixe” – palavra que eu sequer sei pronunciar sem correr riscos – e olha que já havia visto em Bom dia Camaradas, do Ondjak, e vez por outra em alguma outra literatura africana contemporânea. Em princípio associei fixe com fixar, supondo que fosse uma maneira de se referir à firmeza de outra pessoa ou traduzir um adjetivo análogo a esse. Depois de muito tempo me resolvi com o sentido da palavra, não com a pronúncia. Vê-se daí porque sou, mesmo em voto vencido, contra o acordo ortográfico: mudar grafias não resolve distâncias culturais, nem apaga conflitos.
Não bastassem umas referências da cartografia urbana de Portugal, constantes na obra de António Lobo Antunes, do tipo Encarnação, Estefânia e Jerónimos, morro infeliz para entender o que são os mochos e o que são betões; e agora, então, morro em busca de descobrir o que são melgas. Serão lesmas? E se mal sei o que são umas osgas, foi porque Agualusa, em palestra recente aqui no Teatro Castro Alves, falou que eram lagartixas. Contudo, minha orientadora fica me explicando que não são assim as mesmas lagartixas brasileiras, são menores e têm sei lá o que de diferente, donde me pergunto sobre minha tese e a nacionalidade das lagartixas a me criar problemas.
Fico abobalhada, um pouco mais do que sou, enquanto escrevo. Vou fazer alguma transcrição e me esbarro, por exemplo, com uma certa zarzuela. Nem sempre o Google PT resolve e tampouco eu tenho dicionário de português de Portugal, achando um paradoxo falar e escrever em português, ter dicionários de minha língua materna e precisar de um que dê conta do português dos outros – e me enrosco demais porque às vezes me aparecem expressões do português da África lusófona.
Muito recentemente é que eu soube que a senzala de Portugal não é a senzala brasileira, aquela relativa à escravidão e, confesso, achei lindíssima a palavra autoclismo, que para brasileiro é apenas uma descarga. Mas, também muito me confundo com o que para nós é palavrão e que em Portugal é uma expressão com sentido corriqueiro e nada amoral.
Problemas com a língua, quem não tem? temos problemas para aprender a língua materna; problemas para frear a língua, problemas com a língua dos outros quando falam da gente; mil problemas em mil acepções com a língua.
Eu teria, então, que ser poliglota numa única língua, por mais contraditório que seja, para me acertar com o sentido das palavras. E aí é que está: tradução e sentido. Trocar uma palavra pelo seu significado, fazer tal substituição, não é traduzir.
P.S.: Aproveito para pedir desculpas a Júlio, nas várias vezes em que o confundi com um dicionário; e também para agradecer à generosidade deste meu amigo, sempre solícito à minha profusão de perguntas e gentil com minha ignorância.

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