Louquética

Incontinência verbal

domingo, 30 de outubro de 2011

A paixão: puro afã...


É tão bonitinha a cara de idiota dos apaixonados. De todos os apaixonados: homens e mulheres...
Acho que ela se interessou por esta mágica inscrita na paixão, coisa que deve ter uns vinte anos que ela não sabe o que é, mas está aí construindo uma paixão imaginária para esta vida séria, responsável e difícil de levar.
Há aquela trabalheira toda dos apaixonados em procurar uma roupa nova para cada encontro, em se preocupar com o encontro perfeito, em se empenhar para mostrar o melhor de si para o outro, em se esforçar para chamar a atenção, nas formas discretas de se exibir para o ser amado,num quadro completo de escolhas e ações só para viver a paixão e a conquista do outro...
Claro, toda paixão sofre a ação do tempo - tempo indeterminado, quase sempre durável, bem durável, durável o suficiente para as pessoas perderem a cabeça, a vergonha, a noção das coisas...
Já a minha amiga R. está apaixonada pelo poeta errado - é aquele lá com quem eu já tive um rolo. Eles não se conheciam, ela não sabia que ele era ele, até que ligou as coisas...e se ligou nele, que adora jogar charme para todas mas não troca sua escolhida por nenhuma. Relacionamento obsessivo dele com L, que tem, como convém às esposas de poeta, um comportamento "rasga-pulsos" que fala por si só. Podem entender literalmente.
E também é boa essa paixão que não se realiza nunca.
Para mim, todo grande amor começa com uma grande paixão e é uma grande paixão: um amor sem a voracidade da paixão é a coisa mais insossa do mundo - é insípido, é sem-graça, é comodismo e oportunismo parasita que chega perto do desespero de causa.
Eu tenho medo do desespero de causa. Acho que quando a gente flexibiliza a tal ponto que se desfaz do que realmente deseja, do que realmente quer, acaba se agredindo.
Ontem, quando eu saí com a minha amiga - porque a noite de sábado continua a me convidar para sair, haja o que houver - ela me falou que de repente criou um tremendo medo da solidão.
Ela me perguntou, como também perguntam os meus amigos, se eu já passei por isso.
Não, eu não tenho medo: eu gosto de estar sozinha em casa, eu gosto de companhias, mas com moderação. Gosto que a minha vida seja minha e não gosto de compartilhar camas e mesas com frequência.
Não gosto de dormir com ninguém, salvo em estados de exceção - numa viagem, num camping, numa situação atípica. Tenho um sério problema em não gostar de prescindir da beira da cama - o instinto primitivo dos homens faz com que queiram a beira da cama, tal como era na Idade da Pedra, no conforto da caverna - assim me explicou aquele arqueólogo que... bem, não vem ao caso.
Faço mil artimanhas para recobrar a beira da cama. Também não gosto de compartilhar minha cara amassada do pós-sono com ninguém. E outras coisas são meus segredos de banheiro, que todo mundo tem e todo mundo faz, mas que não precisa ter testemunhas... Por tudo isso e por outras coisas, não somente não sinto solidão como não vejo graça em convívios prolongados, o que é diferente de amores duráveis. Gosto de amores duráveis, por sinal.
O desespero de causa faz as mulheres namorarem ogros, casarem com uns caras que não têm nada a ver, pegar e se apegar aos cafajestes, fazerem jogos de consolação namorando o cara errado e sonhando com o cara que elas realmente desejam. Em tempos de amores raros, também penso se não é pecado dispensar o amor que me é ofertado, se dispensar o sujeito não é agir como em blasfêmia, num momento em que todos têm fome e eu desperdiço a comida...e jogo na balança: isso pode ser desespero de causa.
Sei que quem se apaixona está propenso à queda - à queda do fim, da decepção, do desprezo,das trocas...porque a paixao não acaba simultaneamente para as partes envolvidas, demorando mais para uns e menos para outros.
Às vezes a paixão passa, mas as coisas eram tão boas que damos risadas ao percebermos que acabou: risada cúmplice, do respeito mutuamente construído, vai o namorado, fica o amigo...vai o marido, fica o cúmplice - assim fazem os mais fortes.


Você desconversa, você pode tapar o sol
E me desconserta deixando o meu sangue sem sal
Você atravessa o sentido de cada sinal
Que eu mando de dentro do azul
Desse amor que é só seu afinal, só meu afinal

Tão forte querendo, eu me multiplico por mil
Você não está vendo, há uma coisa que é você e eu
Que brilha no espaço no tempo, no céu e no chão
Que arde mesmo aquém e além
Desse jeito de eu dizer que sim, e você que não

Um dia você vai voltar como numa canção do passado
Dizendo que fui muito burra em não atender ao chamado
Agora entre os dedos você deixa escorrer o mel
Se agarra a segredos e medos e ponto final
Mas é sempre assim, é uma regra maldita e geral
Ou feia ou bonita, ninguém acredita na vida real

(Maria Bethânia - Vida Real)

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