Louquética

Incontinência verbal

domingo, 10 de julho de 2011

De volta


A greve acabou e o trabalho me pegou em cheio nestes dias, em que tenho um intensivão pela frente, pelo menos para duas semanas deste mês.
Aí meus queixumes pessoais se repetem, já que é tão difícil fazer com que entendam minha necessidade de solidão quando volto para casa – mas se eu já moro sozinha, não seria, então, o bastante para notarem que eu gosto de ficar só?
Daquela solidão deletéria e destruidora eu não gosto. Também não sou misantropa: mas sou forçada ao convívio coletivo no trabalho e isso não quer dizer que eu não goste de meus colegas e da companhia deles, mas quer dizer que ali é o meu trabalho, aquela casa que alugamos para nossa estada é circunstância do trabalho e, portanto, a minha casa é esta de onde agora escrevo.
Quando eu estava em Sergipe também arquei com os custos de uma morada apenas para mim: definitivamente, eu não tenho o menor saco para morar com ninguém. Só imagino como seria se eu tivesse casado (casamento é a queda da privacidade, da individualidade Enfim, para mim, seria como viver em família de novo, sem vida própria e sob o jugo de um pater famílias), eu aposto que eu passaria a ficar mais tempo fora.
Tenho uma viagem longa para fazer e sigo adiando, deixando para depois, edificando pretextos, postergando...mas como parte do doutorado, sei que uma hora terei que ir. Mais uma vez o que me prende é a minha casa. Pode ser em São Paulo ou New York, se eu for demorar num lugar, sofro por não voltar para a minha casa e procuro constituir uma outra casa. Convívio coletivo, pensões, repúblicas, casa dos outros, Deus me livre!
Hoje estou aqui em casa e numa hora qualquer desligarei todos os meus telefones: preciso ler, preciso dormir (é que resolvi sair um pouquinho ontem à noite e aí voltei 3 da manhã para casa), preciso não ter que me explicar, preciso não argumentar, preciso não me preocupar em mostrar que eu me preocupo com alguns e que eu não estou nem aí para as ciladas de outros. Bem, minha vida anda me dando trabalho o suficiente, ultimamente.
Ainda assim, melhor do que ficar como as minhas amigas que parecem que tomam chá alucinógeno para agüentar o convívio coletivo forçado ou voluntário, para suportar suas crianças gritalhonas, seus maridos insípidos, seus sonhos que ficaram do lado de fora da casa e da vida, as coisas que elas julgavam encantadoras, mas que eram enfadonhas, os ouros de tolo, como diria Raul Seixas.
Não gosto dos ladrões do tempo: prefiro perder tempo a permitir que me roubem o tempo. E a estrada rouba o meu tempo. Aliás, sempre detestei viagens longas, odeio demoras, sou impaciente profissional. Da próxima vez em que perguntarem minha profissão eu vou dizer: Professora Impaciente.
Ah, saudades do meu sofá, do aconchego do meu edredom, do vaso de cerâmica semi-quebrado onde eu deixo umas flores...
Saudades do cheiro de minha casa e do meu quarto, saudades dos meus quadros, dos meus livros, dos meus perfumes, dos meus sapatos e do bicho de pelúcia encardido que eu gosto de abraçar para dormir.
Saudades dos ruídos, dos defeitos da minha rua, das cores, dos sons , dos sabores, dos hábitos, de acordar só e em paz, sem ninguém a me forçar um bom-dia ou um cumprimento qualquer; sem ninguém de quem esconder minha olheira e meu cabelo assanhado;sem ninguém a observar que meu travesseiro é alto e que eu durmo esparramada. Eis a paz! estar em casa é estar em paz (até que o telefone toque).
Para quem não lida comigo, isso é bastante contraditório. Para quem me conhece e ainda não consegue entender que eu gosto de ficar sozinha, que Deus me dê a paciência necessária que eu ainda não tenho.

Uma parte de mim é todo mundo
outra parte é ninguém.
Fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão,
outra parte, estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera,
outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta.
outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente,
outra parte se sabe derrepente.

Uma parte de mim é só vertigem,
outra parte é linguagem.

Traduzir uma parte noutra parte
que é uma questão de vida ou morte.

Será Arte?

(Traduzir-Se. Ferreira Gular)

Nenhum comentário:

Postar um comentário