Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 5 de julho de 2011

Tem a ver...


A minha pele de ébano é
A minha alma nua,
Espalhando a luz do sol,
Espelhando a luz da lua.
Tem a plumagem da noite,
E a liberdade da rua
Minha pele é linguagem
E a leitura é toda sua.
Será que você não viu?
Não entendeu o meu toque?
No coração da América eu sou o jazz, sou o rock.
Eu sou parte de você, mesmo que você me negue:
Na beleza do afoxé, ou no balanço no reggae.
Eu sou o sol da Jamaica,
Sou a cor da Bahia.
Eu sou você, sou você e você não sabia.
Liberdade, Curuzu, Harlem, Palmares, Soweto, Malê.
Nosso céu é todo blue e o mundo é um grande gueto.
Apesar de tanto não,
Tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade
Apesar de tanto não,Tanta marginalidade,
Somos nós a alegria da cidade
(Margareth Menezes - Alegria da Cidade)

É que esse negócio de falar de pele me remeteu logo a esta música de Margareth Menezes - e faço minha velha advertência sobre o fato de que nem todo baiano faz música baiana, nos conhecidos termos midiáticos que isso significa.
Mas também vou ao outro extremo da conversa, quando ele, C., olhou a minha pele como se eu fosse um animal exótico.
Isso costuma me ofender profundamente - tanto quanto me ofende ser chamada e tratada como a mulata-clara no Rio de Janeiro, que alguns têm a petulância de ainda dizer em minha cara: "Tipo-exportação": comentário de homens e mulheres, brancos e também afrodescendentes como eu.
Mas eu não me ofendi com ele. Entendi. Entendi o entorno cultural e o deslumbramento daquela hora em que ele reparou na minha pele e na minha constituição inteira.
Leitura em braille.
Aí a música foi outra, não porque eu sempre escolho uma trilha sonora para as coisas, mas porque ele mesmo falou da Tigresa, de Caetano Veloso

Uma tigresa de unhas negras
e íris cor de mel.
Uma mulher, uma beleza,
Que me aconteceu.
Esfregando a pele de ouro marrom
Do seu corpo contra o meu,
Me falou que o mal é bom e o bem cruel.
Enquanto os pelos dessa Deusa
tremem ao vento ateu,
ela me conta, sem certeza,
tudo o que viveu:
Que gostava de política em mil
Novecentos e sessenta e seis
E hoje dança no Frenetic Dancin Days.
Ela me conta que era atriz
E trabalhou no Hair,
Com alguns homens foi feliz,
Com outros foi mulher.
Que tem muito ódio no coração,
Que tem dado muito amor,
Espalhado muito prazer e muita dor.
Mas ela ao mesmo tempo diz
Que tudo vai mudar,
Porque ela vai ser o que quis
Inventando um lugar
Onde a gente e a natureza feliz,
Vivam sempre em comunhão
E a tigresa possa mais do que o leão.
As garras da felina
Me marcaram o coração,
Mas as besteiras de menina
Que ela disse, não.
E eu corri pra o violão num lamento
E a manhã nasceu azul.
Como é bom poder tocar um instrumento.

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