Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 26 de julho de 2011

Romance ideal


Na verdade, mesmo falando que os opostos se atraem, acho que prefiro os semelhantes, os semelhantes a mim, os parecidos.
Julgo que isso seja a marca maior de uma egolatria não declarada: com que boca cheia dizemos que nos vemos em alguém; com que satisfação constatamos que aquela pessoa “tem tudo a ver conosco”...
Ontem eu dei aquele aperto retórico em C. e fiquei indignada com o teor evasivo da resposta. Mas somos semelhantes. Então ele elabora um discurso lacônico, mas todo ponderado e eficiente, com uma maestria...
E não precisava se estender: como falamos a mesma língua, ele sabe que eu entenderei a linha, as entrelinhas e os intertextos.
Por sermos semelhantes, respondo com o meu silêncio que, aliás, é tréplica. Ele também faz isso comigo. Mas, se faço com ele, o silêncio dos tagarelas é sempre mais agressivo – ele lê que a coisa está feia.
Mas, no fundo são só jogos. Os jogos bobos entre os semelhantes, as tensões de angústias e os argumentos dele, entrelidos, de que eu só posso desejar o que eu não tenho, porque a posse leva ao desinteresse – eu, que nem sou possessiva e cujo ciúme é coisa figurativa e racionalizada.
Ele, pavão convencido, me diz na entre-sonoridade, como disseram os Paralamas em Romance ideal (“Não pedi que ela ficasse,/ela sabe que na volta ainda vou estar aqui”), que tudo pode ficar para depois, um pouquinho depois, que eu aguarde na lista de espera, porque ele já vem me atender.
E eu respondo com meu silêncio.
Ele põe a UFBA de cabeça para baixo: não estou, mesmo estando.
Deixo que ele conviva com o eco – somos semelhantes: sabemos ignorar, magoar, dissimular e deixar para depois, ainda que o depois nunca chegue.
Falei que é necessária disposição para a vida. Mais ainda é necessária a disposição para o amor: não tenho isso, porque não tenho paciência. E haverá amor sem paciência e sem tolerância? E que amor agüentaria estar no aguardo, na fila de espera?
Também sei adiar e fugir: penso em ir a São Paulo – onde também deixei alguém em espera, onde também me deixei em silêncio na hora em que me apertaram por uma decisão ou por clareza nas coisas.
Não estou disposta a.
Por egolatria também quero minha integridade emocional: nem uma vida de choros em aeroportos, nem ser terceiro plano na vida de um workaholic, nem relacionamentos funcionais, nem o descuido com quem me preenche os vazios das carências...
Não parece, mas eu respeito meu ficante – é que não há pactos, não há fidelidade forçada, não há a formalidade vazia e burocracias outras... minha amigas diriam que isso é um P. A., mas é muito mais que o P. para mim: é sobretudo o A. de amigo, nessa sigla-gíria que todo mundo conhece. Não há perdas: é tudo troca, bem justa, bem honesta.
Começo, por isso, a encontrar o problema de minha tese, que nada tem a ver com amores – grande pista!
E eu gosto da minha solidão, porque sempre confundi a solidão e a liberdade – e não serão irmãs?
Perguntado ao oráculo interior, ele me diria: “Mas tu sabes de quem gostas!”. E eu responderia: “Ainda quero ser livre!”. E então viria a réplica: “ Ou isto ou aquilo!”. E que Camões, Petrarca e as Cartas de São Paulo reforçam em tréplica: “É o estar-se preso por vontade!” – confusão nonsense que só os amigos íntimos entendem plenamente, com todas as vírgulas que ultrapassam o imediato reconhecimento literário.
Somos parecidos. Fiquem só com as três primeiras letras: PAR. Imagens, semelhanças e diferenças inegociáveis que não perdem nem mesmo para a novela mais clichê.
Para ele, o romance ideal. Para mim, a música é diferente:

Os Paralamas do Sucesso - Me liga

Eu sei, jogos de amor são para se jogar.
Ah, por favor, não vem me explicar
O que eu já sei, e o que eu não sei.
O nosso jogo não tem regras nem juiz,
Você nào sabe quantos planos eu já fiz
Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi
O seu exército invadindo o meu país.
Se você lembrar, se quiser jogar
Me liga, me liga.
Mas sei, que não se pode terminar assim
O jogo segue e nunca chega ao fim
E recomeça a cada instante a cada instante.
Eu não te peço muita coisa, só uma chance.
Pus no meu quarto, seu retrato na estante
Quem sabe um dia eu vou te ter ao meu alcance
Ah, como ia ser bom se você deixasse...


Semelhantes, também, por Paralamas, Beatles, Strokes e um pouco mais que Quentin Tarantino - e o que é pior: temos mesmos e mais insuportáveis defeitos em comum.

Nenhum comentário:

Postar um comentário