
Como de vez em quando acontece, embora eu não vá atrás de festas, as festas vão atrás de mim. E, apesar de minha rinite e de todos os outros fatores que me distanciam de festas juninas – não tomo licor, não gosto de bombas e não sei dançar forró nem qualquer outro ritmo que exija ser dançado a dois – a festa começou a me chamar antes mesmo das 19 horas.
Desde que na minha rua se instalou uma escola de samba e que pelo menos vinte e cinco por cento da agremiação resolveu vir morar aqui, qualquer batizado de boneca é motivo de festa. E fecham a garagem de minha casa, porque têm que interditar a rua, e enfeitam tudo, de cima a baixo, de modo que começo a questionar a masculinidade do meu cachorro mais novo, que fugiu e voltou cheio de colares ou eram coleiras feitas de material de frescura, uma verdadeira alegoria de plumas, lantejoulas, frufrus e purpurinas.
Mas o som estava bom, a dupla que cantava era boa e apesar de eu falar tantas coisas, gosto de qualquer expressão de alegria desde que não descambe para a baixaria. Então, a festa foi na minha rua e eu não precisei sair de casa, senão ficar ali mesmo na frente, dando risada dos bêbados, porque eu os acho muito engraçados. Bêbado, quando não e violento, é muito engraçado.
E tem bêbado de todo tipo: bêbado generoso, que quer pagar a cachaça para todo mundo; Bêbado megalomaníaco, que se diz dono de tudo que há no mundo; Bêbado amnésia, que não sabe quem ele é, nem aonde ele vai, nem o que está acontecendo (é daquele tipo que fala assim: “On co to?” e você tem que entender que ele está dizendo “onde que eu estou?”, no vocabulário etílico); bêbado galanteador, que fica de graça e quer pegar a gente de qualquer jeito; bêbado cantor, que vive ensaiando músicas sem o menor sentido; bêbado persistente, que é o tipo mais comum na minha rua, porque a rua que eu moro é tão grande quanto uma avenida. Os dois extremos da rua formam uma ladeira absurda. Convenhamos, bêbado na ladeira é uma aporia: não tem como resolver isso.
Ficam, então, os bêbados querendo seguir em frente. E como seguir em frente, se a gravidade os puxa para baixo, para a descida da ladeira, enquanto o mundo gira na velocidade do álcool?
Sem coordenação motora, tentam também fazer xixi – no poste, no muro de minha casa, onde for – e se conseguem abrir o zíper, não conseguem seguir adiante no processo. E se finalmente conseguem fazer xixi, não conseguem se recompor. E se há alguma verdade no ditado brasileiro que diz que “c* de bêbado não tem dono”, aumenta a vulnerabilidade desses sujeitos à medida em que não conseguem cobrir a citada parte após fazerem xixi.
Minha amiga me acha cruel porque eu rio dos bêbados: a ela tudo isso desperta pena. Sinto muito, mas acho engraçado e não sou de perturbar os bêbados. Observo tudo e não seria capaz de permitir que nenhum deles caísse num buraco ou sofresse acidentes de outra natureza, mas não me furto a dar risada com eles.
Entendo a minha amiga, porque a vivência dela com os bêbados foi outra, de observar violência e valentia de alcoólatras profissionais e não exatamente de Bêbados eventuais. Para ela, eu rio porque ninguém em minha família bebe e por isso eu me julgo imune. Digo-vos, entretanto, que a lógica é bem contrária a esta: o álcool me tirou tudo.
Desde que as pessoas sabem que eu não bebo, ficam cochichando sobre “como é que eu me divirto”; Quando algum rapaz finalmente se aproxima de mim, vem com um copo de cerveja e me oferece. Uma vez que eu declino da cerveja, os homens me julgam esnobe.
Da primeira vez que C. criou coragem e me chamou para sair, ele disse: “Vamos tomar um drink depois da aula?”. Fiquei vermelha, sem saber o que dizer para não afugentar quem eu tanto queria. Não teve jeito, eu disse que não tomava álcool e ele ficou sem graça, achando que aquilo era um “não” para ele, quando o “não” era para a bebida.
Mais recentemente, L. E. (porque minha amiga fica me enchendo o saco sobre o porquê de eu não escrever o nome de Luís Eduardo, já que ela fica traduzindo para os meus amigos chegados quem é quem neste universo de abreviações) me propôs: “Vamos tomar um vinho?”. Eu juro que eu fico muda, eu não sei o que dizer... mas quando eu quebrei o silêncio e lhe disse que não tomava vinho, o mundo caiu.
E coquetel sem álcool e tudo mais que eu bebo serve é de chacota para as minhas amigas que dizem que drinks sem álcool são sucos. Que humilhação!
Se eu tomasse álcool, minha vida seria diferente: eu iria rir mais, seria menos tímida, talvez perdesse o pudor – meu primo me diz que álcool dá problemas nas pernas das mulheres, que abrem com uma facilidade incrível... Porém, por questões congênitas, álcool me dá sono e mal-estar.
Por odiar o sabor do álcool, resolvi desafiar a mim mesma, em algumas vezes. Nada me converteu em usuária, nada agradou meu paladar – acho é terrível aquela porcaria quente atravessando a minha garganta, queimando, amargo, enfim, Deus me livre! – e o que eu senti foi sono, falta de coordenação motora, a sensação de que havia buracos no chão a cada vez que eu pisava e que o mundo girava rápido demais. E isso com uns 20 ml de álcool, porque toda a minha família é assim, acho que a intolerância é mesmo genética – pai, tio, tia, primos e só não posso dizer de irmãos porque não os tenho, mas ninguém mesmo de minha família é chegado na cana, nem socialmente. E por isso o álcool me tirou tudo, porque eu não pego ninguém, já que os homens preferem as que bebem e, além disso, a bebida dá pretextos e álibi para muitas coisas que a gente quer fazer, mas não pode fazer de cara limpa.
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