Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O tempo da tese


Há quem não entenda porque os meus capítulos não acabam nunca. O caso é que eles não acabam porque, agora que parei de andar em círculos, isto é, parei de passar pelos mesmos pontos e toda hora dizer a mesma coisa sem perceber, começo a me aprofundar em cada uma das partes. E acontece de as coisas ganharem fôlego.
É muito difícil tratar de um tempo que dialoga com outros tempos, que vai do passado e antevê futuros, especiamente porque se trata das configurações da nacionalidade brasileira e da portuguesa.
Neste ínterim, a minha vida prática e seus dilemas: trabalhos, relacionamentos, desejos, saudades, corporeidade, decepções, ansiedades, fantasias, bobagens e futilidades.
Enquanto a pesquisa segue, o mundo gira, de forma que a ficção se concretiza na realidade ou a desmente; e mesmo há poucas ocasiões em que a realidade desmente a ficção, mas em tempos de grandes crises econômicas na Europa, não se pode se furtar a dar os devidos créditos às ficções e às suas metáforas (mais próximas de profecias do que de processos imaginativos).
E então tenho um capítulo que trata especificamente sobre o tempo. Num momento é o tempo nos romances de Antônio Lobo Antunes e de Torero e Pimenta e daí que me apeguei no Paul Ricouer, em duas obras distintas, distribuídas em quatro volumes. E dei de cara com isso:
É em termos de lapso de tempo que "concedemos" um tanto de tempo, que "empregamos" bem ou mal nosso dia, esquecendo que não é o tempo que se esgota, mas nossa preocupação, a qual, ao se perder entre os objetos do Cuidado, também perde seu tempo. Somente a resolução antecipadora escapa ao dilema: sempre ter tempo ou não ter tempo. Somente ela faz do "agora" isolado um autêntico instante, um piscar de olhos (Aurnblick), que pretende conduzir o jogo, mas se contenta em "manter-se" (ständigkeit). Nessa manutenção consiste a constância de si (Selbst-Ständigkeit) que abarca futuro, passado e presente, e funde a atividade despendida pelo Cuidado com a passividade original de um ser-lançado-no-mundo" (RICOUER,2010, p. 142)
Esta passagem está no volume III de Tempo e Narrativa e, não obstante ser complicado perceber e esmiuçar o intrincamento filosófico tomado de empréstimo a Heidegger, tudo aí fascina a minha ignorância.
Acho que leio e produzo melhor quando interrompo o ciclo do desespero da responsabilidade e saio um pouquinho.
Seja pela ressaca moral de ter abandonado a obrigação, seja pelo gás que em vem da diversão, o certo é que dois dias depois tudo se faz melhor.
Dois dias depois porque perco a noite na festa. A festa foi sábado e não houve chato persistente que me pudesse dissuadir de ir lá.
O dia seguinte passo sonolenta e então durmo e, no outro dia, acordo inspirada, lendo melhor e depreendendo melhor o que li.
Se bem que ver os Cavern Beatles só tenha me mostrado que a Rock Forever é bem melhor e que a Groove, seja em que dia for, é sempre entupida de gente, aproveitei o que pude, com a ajuda do DJ que tocou os melhore sons possíveis.
Adoro qualquer cover dos Beatles, apesar de tudo.
Minhas amigas que fixaram residência na Ilha de Lésbos não foram comigo. Resolveram se enfiar em seus redutos temáticos - e eu, que já não vejo heterossexuais na vida comum, não iria a redutos GLBTTTT e quantos T mais couberem , além daquele povo que transa com todo mundo, os Intersexuais (nome elegante para tarados depravados, diria a minha avó; mas a vida é isso e, antes que a Terra nos coma, melhor comer os outros e ter o que contar depois, diria o meu primo.).
Fui à festa sozinha, dancei, dei risada, conheci uns sujeitos sem-noção-ridículos-patéticos, voltei ao prédio das meninas e, meio desconfiadas, dormimos na sala - Patrícia e eu, únicas remanescentes heterossexuais femininas, descendentes diretas das tribos pegagato e papapau, do sudeste do Brasil.
Dormimos desconfiadas porque, se elas não habitavam a Ilha de Lésbos e jamais estiveram antes lá nem por visita, agora eram residentes. fato este que colocou todas nós em estado de alerta, requerendo constantemente a afirmação de nossa heterossexualidade. Em meu caso é irreversível: não tem solidão no mundo que me coloque para dialogar com o corpo de uma mulher. Já basta o meu!
Bom, a vida prática de quem estuda e trabalha é isso: não vou a festa para resolver os problemas do mundo, nem para discutir que vai assumir a direção do FMI. Vou ser o que sou: um ser humano que estuda e trabalha. E problema dos gênios que eram anti-sociais.Não sou nada genial nem aspiro a ser.
Deixa meu Q.I. de ostra ir à futilidade, rir, dançar, errar, desejar, se cansar, dormir e fazer e falar bobagens: adoro não ser uma máquina nem ter o compromisso dos acertos.
E assim dá super certo para mim: discuto o tempo, na acepção cronológica, subjetiva e estrutural dos romances. E se tudo confluir, ótimo: quem sabe acabo os capítulos inacabáveis? vou escrevendo, em paralelo, capitulos diferentes em minha vida que, em tese, é a mesma.

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