Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 8 de junho de 2011

" O ciúme lançou sua flecha preta"


Eu acho mesmo que os desejos não cabem numa relação: sempre ultrapassam.
Eu acho mesmo o ciúme um negócio difícil de entender, algo que gira em torno de querer ter a posse do outro. E eu não quero a posse de ninguém, bem como quero seguir pertencendo a mim mesma.
Desde que a cultura inventou a fidelidade e a religião descobriu sua impossibilidade, fabricam-se arsenais de coerções morais para as pessoas.
Um dia o meu segundo namorado citou Caetano Veloso para mim: “Não importa com quem você se deite,/que você se deleite seja com quem for,/apenas te peço que aceite o meu estranho amor”, mas não citou concordando, citou para dizer se isso era possível.
Incrível, juro, sem a menor hipocrisia, não me lembro de quando eu senti inveja de alguém. E da mesma forma, me espantei por ter sentido ciúme.
Pior: não era ciúme de uma mulher, era ciúme de um contexto todo como se eu estivesse numa festa em que eu não conhecesse ninguém e para qual eu não fui convidada – e era ciúme da atenção dele, que era o centro das atenções após a apresentação do Agualusa. Era o caso de que na minha conta a equação mostrava que todo mundo prestava atenção a ele e ele dava atenção a todo muno, de modo que fiquei em terceiro plano, no fim da fila.
Dizia, de mim, minha analista há um tempo:” você gosta de homens ocupados. É o seu tipo, é do que você gosta.”Mas estranha esta minha repetição com os workaholics. Estranheza proporcional ao fato de que nesta minha vida recente já três seres humanos saíram correndo atrás de mim porque têm taras e fetiches por sapatos de salto e batatas de pernas (aleluia, meu pé é mais feio do que o do King Kong). De onde vem este radar que faz a gente fazer escolhas repetidas ou atrair tipos repetidos? Dos sapatos, tudo bem, é coisa externa, visível... Mas ninguém nunca correu atrás de mim para me dar flores.
E nessa coisa da análise, desde que eu comecei a assumir que não tinha priorizado relacionamentos, desde que assumi que estava sozinha e sem namorado verdadeiro (em tempos de amores líquidos, não me venham com esta de que não há relacionamentos instantâneos e descartáveis – ora, e se eu achar eu quero! E que os moralistas queixem-se ao bispo), tive que aprender o que estava em jogo.
Então, essa minha vontade feminina-infantil de ter “a sorte de um amor tranqüilo”, além de ser utópica, corre o risco da concretização. Explico o paradoxo: não dá para ter amor tranqüilo, porque amar um homem pressupõe uma eterna disputa com todas as outras mulheres da humanidade que estarão no caminho dele. E se eu encontrar um dos raros exemplares masculinos que são fiéis, disse a analista, melhor correr para bem longe, pois todo homem fiel é extremamente problemático em algum ponto. E não é qualquer neurose, é daquelas que são insuportáveis e absurdas, quando não, hediondas.
O mesmo ela diz dos homens sozinhos. Primeiro: eles não existem; segundo: os que parecem sozinhos podem estar na entressafra, isto é, terminaram um namoro hoje e saíram para beber na mesma noite, estão algo de muito recente na briguinha de separação. Os homens nunca estão sós, todos têm uma mulher, mesmo que seja uma relação não-assumida, uma amizade erótica, aquela ex com quem sempre ele transa.
Meu namorinho medieval (ex-namorinho, eu acho) é certinho demais para o nosso século, porque o insuportável do C. faz parte do quantitativo dos homens extremamente neuróticos e, no caso dele, ser fiel é um sacrifício que se faz para não ser traído também. E os ciúmes dele são ridículos e infundados desde sempre.
Um certo escritor velhinho, de quem sou fã, esteve na Bahia há uns meses. Lá fui eu, ver, tietar, tirar fotos, conversar... E quando C. viu as fotos e os meus relatos, foi capaz de dizer claramente que o velhinho simpático era galanteador e blábláblá perguntas indiscretas para cima de mim. Pelo menos meu ciúme não é absurdo.
Mas acho que ciúme é um negócio fora da lei, uma violência: como é que eu posso querer controlar os passos do outro? Como posso vigiar os desejos de alguém, ser elemento de culpa a surgir na mente da pessoa sempre que ela se envolver por outras fisionomias? Como posso fazer feliz a alguém que, para não trair, trai aos seus desejos?Esta não sou eu e essas não são apenas teorizações que descartam o medo maior de que alguém possa tirar de mim o que prezo, o que amo, o que também desejo, porque também não é esse caso, o caso é ser preterida, é que alguém mobilize mais os desejos dele do que eu. Esse alguém tem sido o trabalho, que se personifica como se fosse alguém e não algo.
E, no caso, se é insuportável ver o pavão de cauda aberta à contemplação da platéia feminina que o cerca todos os dias, os dias inteiros, porque afinal é a profissão dele, pior é assumir um estado de vigilância que ultrapassa as tensões de traição sexual, mas traição do tipo daquela de ontem, figurativamente mostrando que aquilo ali é importante para ele, que aquilo ali vai se repetir o resto da vida dele e que, se eu estiver na vida dele, estarei também à mercê das investidas da platéia, daquele povo todo, daquele mar de gente que, de perto, é formado por puxa-sacos, mulheres flerteiras, gente oportunista, gente interessante, gente inteligente, gente que também quer holofotes, todo tipo de gente que quer ver e ser vista e faz de tudo por uma visibilidade.
Impossível negar que eu estou triste, especialmente porque eu sei que não agüentaria isso o resto do tempo que durasse o namorinho medieval (agora entendo Otelo bem melhor que antes). Então, vou ficar aqui, no alto da minha torre, contemplando o caminho até que passe a dor-de-cotovelo.

Um comentário:

  1. "Possuo infinitos amores. Todos únicos e peculiares em si próprios.Neste final de semana que passou conversava prazerosamente com um deles. Entre um gole e outro de vinho, ela me disse algo assim:O ciúme traz mais dor em quem sente do que em quem provoca.Achei perfeito.Sempre entendi o ciúme como uma faceta do egoísmo.Um sentimento que vai contra os preceitos do amor. Um sentimento que destrói o ser humano.Amo as mulheres. O sexo feminino me fascina.E o fato de serem tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo é tão fantástico que me faz querer possuí-las eternamente. Mas seria muita pretensão da minha parte exigir elas só pudessem sentir alegria e tesão ao meu lado. A única coisa que posso fazer é garantir que elas sintam os níveis máximos de felicidade e prazer quando estão comigo. A emoção em sua maior plenitude.Querer mais que isso é almejar autoridade sobre algo que foge à capacidade do homem. Querer controlar o sentimento alheio é querer parar as ondas do mar com as mãos. "

    achei isto uma vez num blog. é o que de melhor já li sobre ciúme

    ResponderExcluir