Louquética

Incontinência verbal

domingo, 12 de junho de 2011

A imagem e a sombra


Eu já disse: felicidade é teimosia, é uma contravenção, é a desobediência à designação máxima da vida dos seres humanos, já que somos seres para a angústia ( e problema de Heidegger, que nos viu como seres para a morte – esta é solução para muitos e, para mim, a morte não é uma preocupação).
Há um tempo eu dizia de mim, repetindo o que um grande professor meu disse acerca do meu poeta-tema-de-dissertação: “Sou só uma menina triste”. E me cansei disso. E parei de ficar entrando em guerra com os deuses e de me lastimar pela falta de sol, e de chorar os desesperos sofridos todos os dias e, conforme eu também já disse, deixei de me ver como vítima e passei a me ver como sobrevivente.
Há imagem e há a sombra - nem vale se preocupar com a verdade.
Tenho a maior honestidade moral com os que eu odeio. E assumo ódios, porque as mentiras a que as convenções sociais nos forçam cristalizam nossas frustrações – e permito sem muitos dramas, ser odiada. Seria muita pretensão esperar agradar todo mundo e, como um tirano carismático, viver de jogos para ser amada e temida.
Dizem também que a felicidade é uma questão de postura, por isso procuro me manter ereta (kkkkk!!!), porque o lado bom de ser louca é não ter compromisso com a lógica. Enfim, ando preocupada com a minha vida prática, mas continuo bem humorada. Afirmo isso como quem se auto-avalia, porque também parei para olhar o que havia mudado em mim, desde que notei que não tenho medo do futuro, e sim, do presente. Com isso, devo ter parado de pensar no além, no longínquo, o que não me fez adotar atitudes que resvalem para o carpe diem, mas, enfim, o hoje é que me preocupa - se é que se pode chamar preocupação a importância que o presente imediato passou a ter para mim.
Não quero uma vida com gosto de isopor, Deus me livre! Nem quero ter preguiça de procurar sabores para colocar em minha vida.
Dito isto metaforicamente, fiz, há pouco um bolo de abacaxi. E fiz com bastante felicidade em fazer, mais pelo prazer de degustar dos ingredientes do que por ver o bolo pronto. Mas o bolo está em pauta porque eu me confirmo como uma pessoa meio desconfiada com as tecnologias: não tenho microondas, nem máquinas de lavar roupas, meu aparelho de som tem uma década e eu só busco a high-tech para computador, celular, câmeras fotográficas. Salvo isso, acho tudo muito inútil ou supérfluo.
Inventei de fazer um bolo num outro dia, usando a batedeira: que desastre!
Acho que tem algo de gostoso no artesanal (ou é esta a minha desculpa para minha inabilidade com os eletrodomésticos de cozinha), algo de mágico e de alquímico na composição do sabor. E eu fiz o bolo na maior felicidade, como disse o Chico Buarque, “Com açúcar, com afeto”; nesta tarde fria e levemente chuvosa.
Fiz o bolo como quem faz higiene mental, curtindo, aproveitando esse fazer, entremeando as páginas dos capítulos que eu ainda escrevo com o prazer de ir até à cozinha, vigiar o estado do bolo, beliscar o bolo, aproveitar o cheiro doce e bom que está em minha casa.
Talvez eu tenha escrito tudo isso apenas para concluir sem a menor sabedoria que a vida tem muitas coisas gostosas - umas a gente conquista, outras nos aparecem de presente e, entre as duas, há as que nós podemos tomar a iniciativa de criar.

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